quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Da contradição em ser contraditório


“Quero dizer o que eu penso e sinto hoje, com a condição de que talvez amanhã eu vá contradizer tudo”.
Ralph Waldo Emerson (1803-1882) 

Da contradição em se ter liberdade de contradizer, é o que nos torna extremamente coerentes. Por isto a lógica moderna é ser pós-moderno para tentar parecer não viver nesta turba de conflitos inexplicáveis, que tanto nos explicam. Sendo assim, o sucesso pode ser facilmente delimitado, marcando uma territorialidade com giz de cera, demonstrando com riscos ao chão os limites do fracasso. Portanto, é blasfêmia qualquer forma de categorização, sendo por si só uma bizarrice contraditória, uma tentativa infame de ordenar os organismos rebeldes.

A contradição permite desvelar os temores daqueles que insistem em mudar para nunca terem que mudar. Preferem gritar em seus próprios ouvidos as diretrizes de um caminho já percorrido, que de tão desgastado ficam a pisar onde outros já pisaram, mesmo que com o glamour de originalidade aplausível. Gente em efeito manada, que corre sem saber por que, nem pra que, simplesmente corre em direção ao nada. Que contraditoriamente, lá onde fica o nada, quem sabe, talvez, podem-se descobrir os significantes de tantas normoses, e enfim, entender tudo.

Contra o dizer pode não ser tão contradizente como se mostra, pode ser apenas uma releitura distante, uma recostura às avessas, ou até quem sabe um óculos inadequado para uma realidade adequada. Afinal, somos feitos de desmedidas exigências que ecoam no cósmico da visibilidade. Sendo assim, tudo pode parecer sem sentido, e ai sim ganhar sentido. Sentido não de rumo, não de direção, mas sim sentido de sentido – tipo estas coisas que não se explicam, mas que todos sempre entendem. Entendeu?

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 29 de Dezembro de 2015]

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Do islamismo a fantasia da liberdade


“Povos livres, lembrai-vos desta máxima: A liberdade pode ser conquistada, mas nunca recuperada”.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

O mundo moderno é marcado pelo terrorismo. Fato! Será?! E terrorismo de quem? Para com quem? E até que ponto está “guerra” é religiosa, ou todo pano religioso é apenas uma máscara politica para implementação de um globalitarismo (globalização com autoritarismo), conforme nomeia Milton Santos. Até que ponto as informações mediadas pela mídia (redundância necessária) são confiáveis e isentas de violência simbólica, como categoriza Pierre Bourdieu. Se estamos em guerra não é contra o Islamismo, ou pelo menos não deveria ser, pois o inimigo é outro, bem mais perto de nós.

Nos comovemos com o, suposto, recém atentado, dito, terrorista, em Paris (dia 13 de Novembro/2015), o que de fato deve gerar tal comoção. Contudo, estranhamente não nos comovemos com os 25 suicídios diários no Brasil, que totalizam mais de nove mil suicídios por ano (estimativa). E o fato de que o suicídio cresceu 30 % entre os jovens de 15 a 29 anos, também não nos comove (dados retirados da Revista ISTO É, de setembro/2013, escrito pela colunista Mônica Tarantino). Lembrando que se estes são os números oficiais, provavelmente o numero real deve ser muito maior, pois suicídio não é algo que socialmente e religiosamente tenha boa aceitação.

Não nos comove o número de mortos pelo terrorismo automobilístico causado por “acidentes” de trânsito, que em sua grande maioria são por pura imprudência e intencional irresponsabilidade humana. Segundo o Instituto Avante Brasil, em 2014, estima-se que houve mais de quarenta e oito mil mortos no trânsito. O que segundo o jurista Luiz Flavio Gomes, em termos absolutos, o Brasil ocupa o 4° lugar no ranking mundial (os dados estão expostos no blog/site JUSBRASIL). Tristemente, em solos tupiniquins matar usando como arma o carro, não é motivo de nossa comoção nacional, é uma normose cultural.

Não nos comove saber que no Nordeste, em 2012, mais de quatro milhões de animais, entre bovinos e caprinos, morreram por causa da seca extrema, segundo dados do IBGE (pesquisa Produção da Pecuária Municipal, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). E sendo assim, não nos comove a história de Maria Aparecida que afirma ter como maior sonho uma cisterna e água na torneira (reportagem disponível no site G1, em 02 de junho de 2015). Infelizmente, perceber que só dos animais mortos pela seca, se não o fossem, poderíamos minimizar a fome de tantos grupos minoritários que vivem em situação de pauperismo nos rincões brasilianos, mas isto também não nos comove ao ponto de fazermos algo. Por tudo isto, reitero que o que me preocupa não é a comoção por Paris (França), mas sim a ausência de comoção pelos terrorismos brasileiros, cotidianos.

Nossas comoções passam essencialmente por duas vias: a primeira é a via do individualismo-coletivo, que se demostra favorável a intervenções e revoluções, desde que o problema em questão seja o “meu” problema. Nossas indignações não se tornam coletivas, a não ser se for congruente como o “meu” interesse. O Brasil não é um país solidário a causas coletivas, o que temos, de fato, são alguns movimentos que, temporalmente, se alinham as necessidades individuais de alguns, e por isto ganham volume. Por isto, não se vê com frequência um homossexual lutando pela causa heterossexual (ou vice versa), ou um homem defendendo a Lei Maria da Penha, ou ainda um homem defendendo a equiparação salarial da mulher no mercado de trabalho, ou um usuário de carro enfrentando o monopólio do transporte público.

A segunda via de nossas comoções é a via da supervalorização da cultura do Norte. Os autóctones, nativos do Terceiro Mundo (expressão não mais usual após o fim da Guerra Fria), de países em desenvolvimento (?) tendem a fixar mais os olhos nos acontecimentos europeus e estadunidenses, do que nas mazelas nacionais. O que acontece lá é mais importante do que aquilo que acontece pra cá. Isto, talvez, se explique (não justifique), pelo fato de nossa história de estratificação colonial, em que massacraram a cultura indígena local, relegando-a a anátema, e não poucas vezes associando esta cultura a inferioridades infernais. Outra prova disto são os atentados terroristas que aconteceram recentemente na África, que teve muito mais mortes, estupro e violência do que Paris, mas que não ganham destaque (ou comoção), pois afinal, não são do Norte.

Com relação ao suposto atentado de Paris (novembro/2015), há um ponto interessante (para não usar o termo “positivo”), pois muitos cristãos, especialmente os evangélicos, estavam fomentando a jihad gospel, associando a acolhida dos refugiados como uma estratégia islâmica de terrorismo global. O atentado em Paris provou o contrário, pois quase que imediatamente muitos países europeus cancelaram os acordos de acolhida e iniciaram silenciosamente, mas de forma brutal, um processo de deportação dos imigrantes. Ou seja, se, segundo o terrorismo gospel, os islâmicos queriam se infiltrar, isto não mais é possível (ao menos não como estava sendo praticado).

Ainda sobre o “suposto” atentado em Paris é preciso fazer uma conjectura animalesca de nossa humanização urbana capitalista, nada islâmica por sinal. Reafirmo, que o que houve em Paris foi um “suposto” atentado, pois em termos numéricos, o atentado foi inexpressivo (talvez o termo soe desapropriado e deselegante). O local do atentado foi no mínimo deslocado. Não atingiu nenhum local simbólico de Paris ou politico. Quem morreu foram apenas “pessoas”. Tudo isto é muito suspeito. Mais estranho é perceber que 30 minutos depois a Holanda já faz um pronunciamento ante-acolhida de refugiados, entre outros que se seguiram. Há quem diga que a própria Europa tenha simulado o atentado para fechar as portas para os refugiados de forma a, nem mesmo os órgão de direitos humanos, terem como que retalhar. O óbvio, agora, é não aceitar mais nenhum refugiado. Se este era o plano, deu certo. Deu tão certo, que nem a ONU se manifestou contrário ao fechamento das fronteiras.

Os supostos terroristas no atentado de Paris não eram refugiados, mas sim cidadão europeu. Contudo, a mídia não podia afirmar isto, não categoricamente, dai vinculou enfaticamente serem estes de origem árabe (uma designação extremante genérica e nada descritiva). O que a mídia quer demonstrar, entusiasticamente, é que um europeu não tem a gênesis de um terrorista, mas de contra partida, todos do mundo árabe tem no DNA um construto genético propicio a ser homem bomba. Isto é no mínimo dissimulação. O que ficou estereotipado no amistoso entre Turquia e Grécia, em Istambul, no dia 17 de Novembro/2015, quando o um minuto de silêncio em condolência aos franceses foi vaiado. Foi vaiado pela torcida turca, pois esta beatificação do Norte máscara os reais terrorismos que a própria França promove nos países do oriente médio. Então, a vaia foi um gritou que ecoou a incompatibilidade entre a aparência que a mídia mostra e a realidade terrorista que os países europeus e estadunidenses promovem nos países de oriente médio (na América Latina, países africanos, entre outros).

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 20 de Outubro de 2015]

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Sobre danças, músicas e outras insanidades


“O homem tem medo de sua espontaneidade (...) o homem temerá viver apelando à sua espontaneidade até que aprenda a provocá-la”.
Jacob Levy Moreno (1889-1974) 

Enquanto pequenos dançamos, sem ninguém nos ensinar, sem ninguém nos constranger. Dançamos, pois é isto que se faz quando se está feliz. Dançamos sem saber os passos ao certo, sem ter uma coreografia coletiva a ser imitada por todos, sem ter muita ginga ou molejo. Não era preciso saber dançar para dançar. Simplesmente dançávamos. Dançar é um ato de liberdade, ousadia e rebeldia. Dançar é confrontar o adestramento moderno de ritmos enjaulados e bailarinos emudecidos. Dançamos, pois é isto que fazemos quando somos.

Lá também cantávamos, desafinados, meio gritado, um tanto quanto engargantado. Contudo, isto não importava, é preciso por pra fora toda sonoridade que ecoa dentro de nós. É preciso dar voz e ritmo a nossas desilusões e ilusões. Quando pequenos não precisávamos saber a letra da música para cantarmos, afinal, cantar não é uma função decorativa do cérebro. Cantar é, antes de tudo, um ato de neurose eufórica de existência humana. É um estereótipo de nossas desconformidades. Cantávamos, pois é isto que embala nossos corações e razões. Cantamos, pois é preciso romper o silêncio do que somos.

Depois de tantas, crescemos. Então, nos esquecemos de como se dança, ficamos envergonhados por não saber os passos repetitivos dos iguais. Lá, dançar não é pra todos, é espetáculo a ser admirado, contemplado, mas nunca partilhado. É muito triste não poder mais dançar, mas mais triste é admirar os que dançam, pois isto é contemplação nostálgica daquilo que um dia fomos. Quando dançar for para poucos, então, muitos perdem. Dançar é tipo saltar, desestabilizar o corpo, confundir as possibilidades... dançar tem que ser mais que harmonizar, é preciso que haja destoação. Dançar é, portanto, uma apresentação única, às vezes, na maioria das vezes, sem espectadores. Dançar é o que fazemos quando descobrimos o que somos.

Lá pelas tantas, daquela mesma época, nos dizem que cantar é uma arte clássica, com difíceis melindres artísticos. Para tanto, elitizaram a música. Tornaram as notas inalcançáveis, ditaram as letras do que é aceitável, rotularam a cultura popular regional como algo inaudível. Tristemente, e inevitavelmente, criaram o karaokê. Neste tempo, catamos apenas as letras já cantadas, no ritmo já dado, nas notas já postas. Enlatamos a música. Cantar bem poderia ser tipo aquelas frases incognoscíveis que balbuciávamos quando pequenos, que tinham todo sentido para além das palavras. Cantar bem poderia voltar a ser despretensioso, sem sequência predeterminada, para dar o tom que estiver disponível para colorir quem de fato somos.

Cantar e dançar são expressões de nossa identidade social, é o que nos define, nos distingue, é o que desnuda nossa mais bela insanidade idiossincrática. Perdemos muito por só andar e só falar, por só correr e gritar. Perdemos muito por não mais conseguirmos nos expor ao ridículo da música e do baile. Tristemente, nos marionetamos aos limites dos sons pré-formatados e igualmente nos fantocheamos na sutileza das coreografias pré-estabelecida. Enfim, domesticamos nossa insanidade, e a comprovação de tal genocídio artístico é que perdemos a habilidade de dançar e cantar, como fazíamos enquanto pequenos.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 10 de Outubro de 2015]

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Uma leitura das leis do aprendizado de Bruce Wilkinson


"Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor".
Paulo Freire (1921-1997)

O autor Bruce Wilkinson, no livro Sete Leis do Aprendizado (Editora Betânia, 1998), na frase apresentada na capa do livro faz uma tentativa de tatear a pedagogia de Comenius, asseverando: "como ensinar quase tudo a praticamente qualquer pessoa". Seguindo este viés, segue uma síntese praxiológica da sete leis do aprendizado proposto por Wilkinson:

A Lei da Aprendizagem – Os professores têm que proporcionar condições e estratégias que possibilite ou facilite o processo de aprendizagem do aluno. Portanto, os professores são responsáveis por levar os alunos a aprender porque sob o controle deles estão a matéria, o estilo e orador. Bruce destaca que os professores exercem maior impacto sobre os alunos através do seu caráter e compromisso, e não da sua comunicação.

A Lei da Expectativa – Dr. Bruce esclarece que as expectativas existem em todos, acerca de tudo, o tempo todo. As expectativas são alicerçadas no passado, influenciam o presente e impactam o futuro. Portanto, ensinar é transformar diretamente a história. O professor deveria influenciar a aprendizagem e comportamentos do alunos através de um ajustamento de suas expectativas.

A Lei da Aplicação – A aplicação é responsabilidade do professor. A aplicação e a informação devem ser equilibradas. Uma aplicação que causa impacto na vida dos professores tende a causar na dos alunos. Dr. Bruce desfecha reforçando a idéia de que o professor deveria sempre ensinar com o propósito de ver mudança de vida nos alunos.

A Lei da Retenção – A retenção dos fatos por parte do aluno é de responsabilidade do professor. A retenção aumenta à medida que o aluno reconhece a relevância do conteúdo. A retenção minimiza o tempo de memorização para maximizar o de aplicação. O professor deveria capacitar todos os seus alunos a experimentarem o máximo de domínio do mínimo irredutível.

A Lei da Necessidade – Suprir as necessidades dos alunos é o chamado básico do professor. O aluno é motivado à medida que sente a necessidade. O professor deve criar a necessidade antes de ensinar o conteúdo.

A Lei da Preparação – Dr. Bruce reforça o conceito de que preparar o aluno é responsabilidade do professor. O processo de preparação é mais bem avaliado por aquilo que o aluno faz depois da aula. Este processo deve impactar tanto o caráter como a conduta dos alunos. Portanto, o professor deve treinar seus alunos para a vida.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 17 de Agosto de 2004]

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Dos mitos acadêmicos: curso de Administração


“É mais necessário estudar os homens do que os livros”.
François La Rochefoucauld (1613-1680) 

Cada professor, em sua prática acadêmica, têm suas próprias dúvidas e inquietações que persiste em atormentar as normoses aulisticas. Um destes fantasmas que, particularmente, me assombra é perceber que quase na totalidade dos alunos do curso de administração, das instituições de ensino superior que tive contato, não têm seus estudos financiados pelas empresas que trabalham. Há mais de uma década faço a mesma pergunta em sala de aula e obtenho quase sempre os mesmos resultados: “levante a mão quem têm seus estudos financiados pela empresa que trabalham?”, resposta: uma ou duas pessoas levantam as mãos (numa sala de mais de cem alunos - isto mesmo, mais de cem alunos!). Dai, questiono: “Por que a empresa que vocês (alunos) trabalham não paga a faculdade para vocês?”, as respostas mais comuns são: “o meu chefe tem medo de eu (aluno) saber mais que ele”, ou, “porque é uma empresa que só pensa no lucro”. Então, faço a pergunta crucial: “por que vocês (alunos) estão estudando?”, a resposta é dada em coro: “porque quero sair da empresa que trabalho para ganhar mais”. Então, creio que ai está a resposta para primeira pergunta.

A ilusão de que as empresas (cargos de chefia em especial) têm medo da academia é um mito bem difundido aos discentes. Mito este muito bem arquitetado e que mascara a fragilidade moderna. Não acredito que as empresas tenham medo de que os funcionários, agora alunos, aprendam o suficiente para ameaçar qualquer cargo dentro da empresa, pelas seguintes razões: 1) O que se aprende num curso de administração quase sempre não tem muito a haver com administrar, mais sim com ser o “funcionário do mês”. 2) A maioria dos alunos de administração, na minha vivência acadêmica, nunca tiveram experiência de administrar empresas/negócios, na verdade querem um emprego fixo e com estabilidade, por isto estudam para concurso público, não para empreender. 3) O trabalho, para boa parcela dos alunos, é apenas um meio para se pagar contas no fim do mês, não é um negócio, uma paixão, uma idéia, um ideal, é apenas trabalho, qualquer trabalho. 4) Grande número dos que estudam administração, reitero que digo a partir do que vivencio nas IES, escolheram o curso de administração por este ser o mais genérico e quase sempre o mais barato, então, não gostam de fato da área da administração, apenas querem ter diploma de curso superior, e o curso de administração foi o caminho que restou. Por tudo isto, e mais uma bucado de coisas que não é propício externar aqui, insisto: não acredito que as empresas se omitem de financiar os estudos dos funcionários por medo.

Outro fato que precisa ser destacado neste discurso é que as empresas não tem intenção de financiar os estudos para os funcionários, pois uma parcela considerável dos alunos não tem carreira, apenas trabalham. É preciso diferenciar ambos os conceitos: quando digo “carreira” pressuponho uma intencionalidade, um rumo, uma direção, uma planejamento, um foco, um norte. Dai quando peço para pegarem os currículos deles mesmos e verificarem se de fato estão construindo uma carreira, então, é perceptível que não. Isto se torna notório, pois dois anos trabalharam no Peg Pag da esquina, um ano de call center, dois anos de caixa de supermercado, seis meses num Pet Shop, e por ai vai. Não há internacionalidade, não há carreira, apenas há trabalho (qualquer trabalho!). Então, não justifica financiar os estudos para alguém que não tem carreira. Obviamente, que isto não quer dizer que não se possa mudar de empresa, mas que se permaneça no mesmo ramo de atividade. A questão aqui não é quanto tempo você fica numa empresa, não é acerca do turnover que estamos discorrendo, mas sim quanto tempo você tem de experiência num determinado ramo de atividade. É possível trabalhar a vida inteira e nunca ter tido uma carreira.

Ademais, acredito plenamente que a garota que vende bombons na faculdade tem mais proximidade com os conteúdos, competências e habilidades do curso de administração do que o gerente de uma grande empresa, pela seguinte razão: Administrar é, sobretudo, ter autonomia sobre todos os processos empresariais, então, isto não tem haver com salário e nem com cargos hierarquizados, mas sim com a capacidade de interferir nas etapas. A garota dos bombons tem que decidir quantos bombons vai produzir por dia, tem que prever demanda para não haver desperdício, tem que saber a preferência dos clientes para levar os sabores que agradam estes, tem que fazer leitura de cenário para antever aos concorrentes, tem que criar a estética das embalagens, tem que analisar a forma de logística de transporte dos bombons e o sistema de armazenagem para o momento da venda, tem que ter noção de custo, precificação e marketing. Enfim, a garota dos bombons, de fato, administra o negócio. Ela é responsável e detém autonomia para interferir em qualquer etapa do negócio, inclusive detêm o poder de decisão de não mais produzir bombons, se assim quiser. De contra partida, o gerente de uma grande empresa tem uma autonomia limitada, precisa de autorização para implementar várias mudanças, reporta a vontade da diretoria da empresa, segue instruções dos administradores (ou donos) do negócio, e quase sempre só tem poder de decisão na área em que é gerente, limitando a abrangência empresarial. Reitero: a questão aqui não é quem ganha mais, mais sim quem realmente é administrador. As empresas até poderia estar dispostas a financiar os estudos dos funcionários, se realmente acreditasse que estes poderiam ser administradores, não apenas gerentes/supervisores.

O curso de administração deveria ser mais provocativo e menos conformista. Deveria ter mais disciplinas que estimulassem os alunos a arriscarem num novo empreendimento. Deveria possibilitar tomadas de decisão com consequências reais. Deveria discutir mais sobre administração do que ganhos ou benefícios. Deveria haver menos auto-ajuda e mais conteúdo. Deveria ter menos euforia e mais motivação. Deveria possuir menos dinâmicas de grupo e mais aprofundamento teórico. Deveria ter uma parte de prática empresarial real, ao invés da Empresa Júnior ser uma mera organizadora de eventos e shows dentro das faculdades. Enfim, o administrador tem que administrar. O curso de administração não é lugar para formação de funcionários. O curso de administração não é para aqueles que querem o lugar do chefe. O curso de administração não é para quem quer prestar concurso público de nível superior. O curso de administração não é para aqueles que sentam numa carteira e escutam adestradamente o professor para passar na disciplina. Então, o curso de administração é um convite para gente ousada, destemida, engajada e comprometida. Gente esta que não se limita ao professor ou a instituição, mas atreve-se ir além dos limites e experimentar o novo – arriscar-se por completo, surpreender a sociedade/mercado, administrar com excelência. Portanto, “por que as empresas não financiam os estudos dos funcionários?” Outra resposta possível poderia ser: pois para ser funcionário não precisa ser administrador – e vice versa.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 27 de Agosto de 2015]

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O desafio da inutilidade


"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”.
Clarice Lispector (1920-1977) 

Ser útil é muito cansativo! Não sobra tempo para perder, não resta opções sem resultados, não há espaço para desinteressar-se, não carece de quietude. Ser útil é confundir-se com que se faz. É ser julgado pelo que se produz. É caminhar sempre em frente. Ser útil é muito chato! Descobrir-se útil é emaranharem-se numa teia horrenda de interesses, trocas e desgastes. O útil é interessante, pois sempre tem algo a oferecer para outrem, sempre tem um conselho motivador, sempre está pronto para o que quer que precise, sempre tem que estar “lá”. Ser útil é uma futilidade! O útil não vê utilidade em cultivar flores, apenas quer árvores frutificas, pois estas lhe dão retorno. O útil não vê utilidade em andar a pé, apenas quer se locomover rápido, pois o que lhe interessa é chegar logo “lá” e rapidamente ir para outro lugar “lá longe”. O útil não consegue criar identidade, pois não passa tempo suficiente “lá”.

No cenário contemporâneo, infelizmente, as nossas relações se dão pela capacidade de utilidade das pessoas. Tristemente, somos amigos daqueles que podem nos oferecer algo. Dificilmente teremos amigos inúteis, pois afinal estes não servem para nada. Estranhamente, amigos tem que ser úteis, tem que produzir algo, tem que oferecer alguma coisa, tem que ter relevância. Neste contexto de utilidades não resta espaço para amigos deficientes físicos ou mentais, pois estes têm pouco a oferecer de útil frente aos padrões de sucesso moderno. Quase não temos amigos crianças, pois igualmente estes são infantis, e não temos tempo a perder com coisas de crianças. Poucos são os que têm amigos velhos, pois estes já não tem mais vigor para produzir algo. Portanto, para o que tornamos, os amigos tem que ser úteis.

Ao findar um filme queremos entender a relevância da história ali contada, como se tudo na vida tivesse que ter sentido ou tivesse que ter finais lógicos e meritocráticos. Filmes “sem finais” nos deixam inquietos e frustrados, pois queremos sempre que as coisas cheguem há algum lugar, e saber que nem sempre no fim as coisas dão certo, ou que às vezes nem se tem um fim, produz desordem mental e emocional às nossas vidas úteis. Não suportamos o estado de inconclusão, de não obviedade, de contemplação, de suspensão. Nos tornamos úteis demais para suportar o inacabado. Nos tornamos úteis demais para tolerar a inutilidade de qualquer coisa. Nos tornamos úteis demais para perceber os detalhes de uma história. Nos tornamos úteis demais para entender aquilo que precisa de sensibilidade. Nos tornamos úteis demais para não entender algo.

Enfim, quero redescobrir minha grande inutilidade, e então, reaprender a viver!

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 12 de Agosto de 2015]

terça-feira, 28 de julho de 2015

Educação adestrada


“É no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade”.
Immanuel Kant (1724-1804)

O período de escolarização poderia ser provocativo, inquietante e desconcertante. Gerar pessoas que questionassem o ciclo normal da existência. Favorecer o florescer de gente inconformada com a macha atual. A escola até poderia ser um terreno fértil para o germinar de percepções diferente acerca das normoses existentes. A escola poderia... não fosse sua real intenção de formatação para adequação da aceitação social, como propõem Emile Durkheim; Não fosse a escola uma estrutura de reprodução das intenções da classe dominante, como propõem Antônio Gramsci; e não fosse a escola um produtor de exercito de reserva para atender os donos do capital, como propõem Karl Marx. A escola poderia... não fosse a educação um germe adestrado como se está.

A educação precisa ser liberta, liberta de nós mesmos, de nossos ideais corruptos e tendenciosos. A educação precisa se libertar dos grilhões de nossa humanização. Contudo, é preciso reconhecer que a educação jamais conseguirá se ver livre de nossa integração humana, alias, educar é um processo de humanização por si só. Entretanto, quem sabe, um dia conseguiremos desfrutar de uma educação mais irreverente, capaz de desrespeitar os ditames ortodoxais ai expostos. Discordar não para se opor, mas sim para desvelar, criticar, desnudar, duvidar e questionar. A educação precisa ser uma enxada que desbrava nossas ignorâncias e remexe nossas convicções, preparando a boa terra para um novo plantio.

A educação está adestrada, e o que denuncia tal atrocidade é a perda de três pilares: 1) Interatividade – enquanto a educação se manter como um monólogo de professores, então, não haverá espaço para aprendizagem. O professor é um importante agente, contudo, é preciso mais integração com os alunos para que a educação se torne provocativa na realidade social de todos. 2) Continuidade – enquanto a educação continuar desconexa de um rumo para além das disciplinas anuais ou semestrais, então, o conhecimento terá um curto prazo de perecividade. A educação precisa superar a escolarização. 3) Intencionalidade – enquanto a educação estiver rendida a sistemas avaliativos, então, o proposito será igualmente, apenas, avaliativo e correspondente ao período de escolarização. É necessário que o saber seja mais valorizado que a obtenção de notas.

A educação está adestrada, pois é conveniente que ela esteja assim. Os professores não gostam de alunos que pensam, pois sendo assim estes os fazem estudar/preparar aula; Os alunos não querem professores que pensam, pois estes se tornam muito exigentes em sala; A direção não quer alunos e professores pensantes, pois neste caso, ambos produzem muitos problemas acadêmicos para serem resolvidos; A sociedade não quer uma escola pensante, pois deste modo é mais fácil (e mensurável) ditar o que é sucesso e fracasso. Por tudo isto, caso não haja um desarranjo no cenário atual, em vão discursaremos na planaria da vida.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 28 de Julho de 2015]

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Pequeno soluço de vivência

"Entre mim e mim, há vastidões bastantes para a navegação de meus desejos afligidos".
Cecília Meireles (1901-1964)

O espelho da existência reflete a história de vidas que o tempo não pode apagar. É perscrutar o íntimo daquilo que outrora fora e contemplar o futuro que um dia será. Com certeza, isto nos faz repensar sobre as palavras que se tem escrito na autobiografia da vivência. Sendo assim, a vida é feita de decisões, onde erros e acertos são duas faces de uma mesma moeda. Ao final, as lagrimas que rolam no rosto sofrido encontram nos lábios o sorriso perdido.

Ousar viver é redescobrir em cada manhã a oportunidade de chegar mais alto. É aventurar-se na selva das vivências e decodificar o mapa do tesouro de se estar vivo. É atrever-se há decifrar o tempo e ser protagonista da comédia chamada vida. De nada adianta construir casulos na tentativa de se proteger dos perigos de se estar vivo. Estar vivo é o maior risco que há.

A classe educacional chamada vida é definitivamente uma grande comédia. Por esta razão, os problemas do passado algumas vezes são as soluções do futuro. Os erros do pretérito, às vezes, se tornam em uma agradável rotina do presente. Os absurdos que aconteceram ontem podem se tornar normal amanhã. Por isto, é sábio olhar para trás, e avaliar a tortuosidade de nossas pegadas.

Desde o amanhecer até o sol se pôr, a escola da vida está de portas abertas para ensinar lições que o tempo insiste em não esquecer. Os anos passam, e, então, revelam os maiores paradoxos da existência humana: coragem e estupidez, ousadia e covardia, força e fraqueza. E é neste hilário abismo existencial do contraditório que se perceber que na jornada da vida os contra-sensos caminham de mãos dadas. Bem vindo à vida...

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 05 de Agosto de 2004]

quarta-feira, 17 de junho de 2015

O que nos falta é criatividade


“O maior inimigo da criatividade é o bom senso...”.
Pablo Picasso (1881-1973) 

O rumo para o qual estamos indo é sabido. Todos estão indo pra lá. Uma odisseia sem muita diversidade, sem muita identidade, sem muita intencionalidade e sem muita criatividade. Estamos indo, seguindo a maré. Sendo governados pela sonoridade da mídia que teatraliza e uniformiza a todos, nos tornando reféns de nossas próprias histórias. Há até uns discursos destoantes, mas, às vezes, parece que até isto é intencionalmente previsível. Tentam, convictamente, mostrar que o diferente é disforme, esquizofrênico, maléfico, alucinógeno, e coisas do gênero. Querem que acreditemos que ser distinto é uma esquisitice intolerável frente aos fracassados padrões desta sociedade do sucesso visível.

O principal sustentáculo de toda esta carência criativa é a culpabilidade, do outro, claro. Há de se culpar alguma coisa, alguém, algum passado, e quem sabe até o preconizar a culpa do futuro. Culpam a falta de recursos financeiros, e assim, se sujeitam a não conseguirem chegar para além da medíocre linha do sucesso empresarial. Culpam o governo pelas faltas sociais, e assim, encantam a si mesmos com enfadonhos discursos sobre a intangibilidade humanitária. Culpam os opressores do passado, e assim, encontram a grande desculpa para se acomodar no deleite do fracasso justificável. Culpam algumas pessoas por qualquer coisa, e assim, se escondem no revigorante vale das deliciosas acusações.

É preciso ir além. Até na arte de culpar é preciso que haja mais criatividade, pois estes discursos já caducaram. Não convencem mais. Apesar de ainda serem muito funcionais entre os romeiros da igualdade – por isto, repetir o que já foi dito é confortante, cumprimentar o outro com um pergunta que nunca tem resposta é amigável, descrever o óbvio com eloquência é admirável e escrever muito sobre o que todos sabem é enriquecedor. É preciso reinventar o que estamos fazendo! É preciso dizer verdades com um pouco mais de mentiras e, quem sabe, conseguir mentir com um pouco mais de verdade (verdades aqui representam nossas convicções mais concretas, e mentiras aqui representam nossas convictas incertezas, que geralmente as ridicularizamos).

A criatividade permite gangorrear, perder, arriscar, não saber, contemplar, chorar, enlutar, indagar, silenciar, desdomesticar, desadestrar, desmecanizar, despir... enfim, as pessoas criativas sabem que tristeza não significa estar triste, nem alegria significa estar alegre. Sabem que estar vivo não significa estar respirando, nem morrer significa estar enterrado. Pessoas criativas rompem o cativeiro das categorias. Rompem o estereótipo. Superam os estigmas. Por isto, precisamos de mais criatividade. Precisamos de cantores mais desafinados, de escritores mais analfabetos, de artistas mais despreparados, de professores com mais dúvidas, de carteiros sem endereços, de dançarinos sem música, de palhaços sem maquiagens, de repórteres sem notícias. Precisamos de pessoas desrotularizadas. Para que haja criatividade precisamos de liberdade. Liberdade de fazer feio, de não ser aceito, de contradizer. Liberdade de criar...

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 16 de Junho de 2015]

sexta-feira, 29 de maio de 2015

De quando os loucos fogem


"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música”.
Friedrich Nietzsche (1844-1900) 

Louco: maluco, perdido, confuso, obtuso, parafuso, insano, desvairado, descontrolado, desformatado, incompatível, anormal, existencial. Das multiformas de se enlouquecer, ou das multifacetas daqueles que já reconhecem suas próprias loucuras, dali se assevera que neste mundo prosopopeico não há mais espaço na cadeia cromática para aquelas cores inconciliáveis. Ser louco é experimentar o novo de forma nova, é desafiar os saberes que já estão embebecidos de lodos fungos, é contestar o óbvio dado e rasgar a cartilha de orientação dos preguiçosos ditadores do aceitável.

O louco é marginalizado por causa das insanidades que o mantem vivo, pois para os normais a loucura é sempre desconcertante e mui convidativa. Viver na loucura é fazer desta jornada previsível uma montanha-russa de sensações únicas, quase inexpressíveis, não por causa da insignificância, mas sim por causa da intransliteratividade do que se vive. Os loucos não são bem-vindos neste mundo de resultados esperados, pois dos loucos tudo se pode esperar, inclusive, espera nada.

Lá da nossa insanidade mais cognoscível se gangorreia: os terráqueos quando ficam parados estão refletindo, os loucos quando parados estão depressivos por causa da intolerância à anomalia; os normais quando falam muito é porque precisam desabafar, quando os loucos o fazem são rechaçados a esteria de tentar alertar acerca do fim trágico que todos nós estamos indo; quando os previsíveis mortais choram é por causa das mazelas da vida, quando os loucos choram é por perceber que todo o esforço de humanização se perdeu entre os da mesma espécie.

Há muito louco disfarçado de normal para ser aceito na sociedade dos carapalidas anormóticos. Igualmente a muitos desvairados normais que se trejeitam de loucos para serem aceitos por si mesmos. Assumir a nossa insanidade é um passo rumo à sanidade, pois nada se pode esperar daqueles que não desfrutam da sua própria maluquice. Assumir a nossa doidera existencial é reconectar com a esperança que orbita sob nossas cabeças. Assumir a nossa idiossincrasia esquizofrênica é perceber que somos únicos, não por causa de nossas especificidades, mas sim por nossa demência indivisível, porém partilhável.

O mundo precisa de mais loucos fora dos cativeiros, para além dos esconderijos, sem serem abafados, sem viverem marginalizados. A loucura precisa ser compartilhada, ser capaz de contaminar os intocáveis, e quem sabe, se tornar um vírus letal capaz de assassinar nossas normoses. Louco não é o diferente que se assumi diferente, mas sim aquele que acha ser capaz de viver neste presente século em paz, harmonia e bem-estar social coletivo. Somos todos loucos, quer seja pelo que somos, ou pelo que não queremos ser. Enfim, a loucura é um bem coletivo, um patrimônio cultural de ser humano, uma condição para se começar a viver.

É hora de se despir do traje de normal é redescobrir a nudez de se estar aqui. O louco é bem-vindo nesta confraria de amigos. Pra cá sempre há espaço para mais um que se sente deslocado frente à macha da humanidade moderna. É aqui que todo insano pode se assumir quanto gente. Junto aos loucos nos sentimos confortáveis, pois não precisamos usar as máscaras do normal. Junto aos loucos percebemos que é normal ser louco, por isto não mais precisamos disfarçar. Junto aos loucos podemos sorrir, dançar, brincar, cornetar e até reconectar. Quando os loucos fogem... todos perecem como loucos.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 29 de Maio de 2015]

sábado, 16 de maio de 2015

O castigo de pensar


Importante não é ver o que ninguém nunca viu, mas sim, pensar o que ninguém nunca pensou sobre algo que todo mundo vê”.
Arthur Schopenhauer (1788-1860)

Desde a minha infância sempre associei a atividade reflexiva, isto é, a capacidade de pensar, com algo que se envolvesse ao menos com alguma das alienas que se seguem: leitura, crítica, academicidade, livro, extrapolar o senso-comum, insights originais, criatividade, entre outros distintivos semelhantes. Pensar não era uma atividade normal, ou um atributo natural de se ser “ser humano”, pensar requeria capacidade de correlacionar saberes, era preciso ter uma visão total dos fatos para emitir uma opinião decente, era necessário ter fundamentação teórica-conceitual-filosófica e aplicabilidade de práxis. Talvez seja por esta razão que passamos tanto tempo na escola, ou seja, tentando aprender a pensar, mas no fim percebemos que, às vezes, o tempo estudantil fora insuficiente ou inútil para tal intento.

A escola, percebendo que, na maioria das vezes, não conseguia fazer as pessoas pensarem, optaram, então, por resumir suas funções pedagógicas a: provas, avaliações, trabalhos, aulas e atividades socioeducativas. Para pensar é preciso romper estes limitadores educativos, carece superar as jaulas da escola e faz-se necessário ler mais que o proposto por professores. A escola pode até ser relevante no processo de desenvolvimento do pensar, mas não necessariamente por causa de seus programas educacionais, talvez sim por oportunizar uma diversificação de histórias carregadas de historicidades, aprendizados empíricos e também por causa do conhecimento acumulado. Enfim, o ambiente escolar pode até ser um dos vários fomentadores do pensar, mas é preciso tira-lo do cativeiro acadêmico, pensar requer liberdade.

Estranhamente, passados os anos da minha infância, percebo hoje que pensar pouco tem haver com os parágrafos anteriores aqui descritos e a escola se distanciou mais ainda desta capacidade reflexiva. Deste hiato monstruoso e desta orfandade reflexiva surgiu uma nova aplicabilidade do termo “pensar”, que modernamente (estranha e esquizofrenicamente) fora associado a um tal de “cantinho da disciplina”. Quem popularizou (não necessariamente quem criou a concepção) foram as supernanny’s (utilizo no plural porque a supernanny brasileira, Cris Poli, na verdade é um remake “suecado” do programa norte-americano). A ideia é colocar a criança no “cantinho da disciplina” para “pensar”, e detalhe, o tempo de pensar é proporcional à idade da criança (1 ano, 1 minuto; 2 anos, 2 minutos; e assim sucessivamente).

Ao associar o ato de pensar com o castigo (termo suavizado pela expressão pomposa “cantinho da disciplina”) cria-se uma das piores associações possíveis, capaz de causar deformidades conceituais inimagináveis. Primeiro, porque, a criança já cresce entendendo que pensar significa ir para o castigo. Segundo, a criança é fortemente condicionada a entender que pensar é uma ação que se dá a partir de erros cometidos. Terceiro, a criança associa pensar com ficar quieto num canto, isolado. Quarto, a criança aprende que após pensar receberá estímulos positivos. Quinto, a criança cria um conceito demonizante do termo pensar. Sexto, parece haver certa proximidade imagética do “cantinho da disciplina” com o antigo castigo de colocar crianças com orelhas de burro no canto da classe. Tristemente, nesta modernidade tardia, pensar não tem mais nada haver com experiência (numa perspectiva Benjaminiana – Walter Benjamin), leitura, reflexão conceitual, historicidade e etc. Chegamos ao tempo em que pensar, enfim, virou um castigo!

Fico a imaginar estas crianças ao chegarem ao ensino médio, ou na faculdade, e o professor pronunciar a expressão: “classe, vamos pensar”. Quais as correlações, sensações, simbolismos de representação e recalque (conforme propõem Sigmund Freud) serão resgatados? Qual a violência simbólica, como propõe Pierre Bourdieu, estão intrínseco neste ato de pensar como posto na atualidade. É provável que a reação seja desconcertante. Ou quem sabe, chegará o dia em que já não mais se usará a expressão “vamos pensar” em sala de aula para evitar estas aproximações placebas de ordem conceituais/psicológicas/psicanalíticas de similitudes com o castigo. De uma forma ou de outra, o ato de pensar, deixa de ser um lugar reflexivo/conceitual e ocupa um lugar minimizado, ridicularizado e infantilizado. Tristemente, chegamos ao tempo em que pensar, enfim, virou um castigo!

Ps.: Reconheço que o “cantinho da disciplina” é uma metodologia que tem suas funcionabilidades e aplicabilidades, especialmente por excluir agressões verbais ou físicas, entre outros benefícios. Genuinamente, a metodologia em si tem lá seus resultados positivos. Contudo, não é sobre isto que o referido texto está discutindo. O foco aqui é sobre os impactos do termo “pensar” na construção cognitiva das crianças. O problema não está no método em si, mas sim na nomenclatura de designação: “pensar”.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 15 de Maio de 2015]

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Ser medíocre


"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos".
Charles Chaplin (1889-1977) 

A terrível capacidade de se acostumar as mais bizarras situações da vida é indubitavelmente uma característica do ser humano. A facilidade em assimilar o vírus mortal chamado mediocridade tem cooperado substancialmente para corromper os valores. A triste certeza de que muitos nunca vão conseguir ser mais do que agora são, dói no mais profundo das faculdades intelectuais.

A mediocridade não é uma fase da vida, mas sim um estilo de vida. Os adeptos a esta maneira de ser desconhecem as palavras crescimento, evolução, amadurecimento, correção, aperfeiçoamento ou qualquer outra do gênero. Como disse Hamilton Verneck: “quem se rende a tentação do ninho jamais aprende a voar; quem não se aventura pelos mares, verá o casco de seu barco apodrecer em plenos cais; quem não ousar na vida profissional, ficará superado porque não foi capaz de dialogar com as mudanças que o tempo ofereceu”.

A mediocridade é uma desculpa que tem a aparência de humildade. A característica mais notável da luz é a formidável capacidade de desnudar a escuridão. Só pode notar a escuridão que se vive quando se permite que a luz seja superior. A sorte não existe quando se entende que a oportunidade e a capacidade são resultantes de uma busca intencional.

A mediocridade é uma doença, uma doença sem dor e sem sintomas visíveis. Contudo, mata espiritual, emocional, ministerial e profissionalmente um grande número de pessoas. Orison Swett Marden certa feita disse: “o início de um hábito é como um fio invisível, mas a cada vez que o repetimos o ato reforça o fio, acrescenta-lhe outro filamento, até que se torna um enorme cabo, e nos prende de forma irremediável, no pensamento e ação”.

O pior de todos efeitos colaterais da mediocridade é a hilária desculpa de culpar outros pelos fracassos próprios. O tempo não faz as pessoas se tornarem medíocres, apenas revela o que de maneira nenhuma pode esconder, o caráter.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 09 de Outubro de 2004]

terça-feira, 28 de abril de 2015

Encontros e desencontros


“navegar é preciso, viver não é preciso”.
Fernando Pessoa (1888-1935) 

A vida bem que poderia ser definida como um circo. Algumas vezes vesti-se de palhaço dando boas gargalhadas para abafar o tumor da tristeza no coração. Em outras ocasiões toma-se o lugar de mágico tentando surpreender as pessoas com truques incríveis, porém apenas ilusórios. A humanidade parece estar em um gigantesco picadeiro. E, dali, vestindo-se de malabarista usam de toda habilidade para não deixar as peças caírem evitando dessa maneira uma profunda frustração na platéia. Constantemente ocupa-se o lugar de domador de leões aventurando-se na difícil arte de controlar a fúria de outrem.

No palco da existência se contempla o maior circo da história. Existem aqueles que preferem ser como bons dançarinos encenando nas cordas da existência uma elevação da realidade. E finalmente, às vezes, prefere-se ser apenas o apresentador que surge na arena para aquietar o público no início e despedir a multidão no final. No circo da vida os artífices somos nós, e em meio aos encontros e desencontros das vivências iniciam-se as apresentações. Contudo, nem sempre se ouvirá aplausos, algumas vezes o único som que ecoará da platéia será uma vaia recriminatória.

A complexa arte de amimar os espectadores é um perigo apavorante e entusiasmante. Enquanto os protagonistas treinam incansavelmente para não decepcionarem a si mesmos, existem outros que, simplesmente, escolhem ser ridículos espectadores para julgar o esforço alheio. E neste emaranhado de públicos, que muitos se escondem, sozinhos. A aglomeração que se forma embaixo da tenda da vida expõe o individualismo da indiferença. Tristemente, isto reflete o quanto os artistas preferem não se encontrar para não provocarem desencontros.

No palco da vida quem está debaixo dos holofotes somos nós, nus, sem maquiagem ou pavonices. Juntos estamos a apresentar na arena da existência o que realmente somos. Não há necessidade máscaras, fantasias, mágicas ou malabarismos. Só precisamos encenar aquilo que tanto ensaiamos. E neste espetáculo inédito, vivido dia a pós dia, as plateias assistem quem somos. Então, deste ato solene surgirá encontros e desencontros que serão eternizados na memoria daqueles que viveram.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 09 de Março de 2009]