"E aqueles que foram vistos dançando foram
julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música”.
Friedrich Nietzsche (1844-1900)
Louco: maluco, perdido, confuso, obtuso, parafuso, insano,
desvairado, descontrolado, desformatado, incompatível, anormal, existencial.
Das multiformas de se enlouquecer, ou das multifacetas daqueles que já
reconhecem suas próprias loucuras, dali se assevera que neste mundo prosopopeico
não há mais espaço na cadeia cromática para aquelas cores inconciliáveis. Ser
louco é experimentar o novo de forma nova, é desafiar os saberes que já estão
embebecidos de lodos fungos, é contestar o óbvio dado e rasgar a cartilha de
orientação dos preguiçosos ditadores do aceitável.
O louco é marginalizado por causa das insanidades que o mantem
vivo, pois para os normais a loucura é sempre desconcertante e mui convidativa.
Viver na loucura é fazer desta jornada previsível uma montanha-russa de
sensações únicas, quase inexpressíveis, não por causa da insignificância, mas
sim por causa da intransliteratividade
do que se vive. Os loucos não são bem-vindos neste mundo de resultados esperados,
pois dos loucos tudo se pode esperar, inclusive, espera nada.
Lá da nossa insanidade mais cognoscível se gangorreia: os
terráqueos quando ficam parados estão refletindo, os loucos quando parados
estão depressivos por causa da intolerância à anomalia; os normais quando falam
muito é porque precisam desabafar, quando os loucos o fazem são rechaçados a
esteria de tentar alertar acerca do fim trágico que todos nós estamos indo;
quando os previsíveis mortais choram é por causa das mazelas da vida, quando os
loucos choram é por perceber que todo o esforço de humanização se perdeu entre
os da mesma espécie.
Há muito louco disfarçado de normal para ser aceito na sociedade
dos carapalidas anormóticos. Igualmente
a muitos desvairados normais que se trejeitam de loucos para serem aceitos por
si mesmos. Assumir a nossa insanidade é um passo rumo à sanidade, pois nada se
pode esperar daqueles que não desfrutam da sua própria maluquice. Assumir a
nossa doidera existencial é reconectar com a esperança que orbita sob nossas
cabeças. Assumir a nossa idiossincrasia esquizofrênica é perceber que somos
únicos, não por causa de nossas especificidades, mas sim por nossa demência
indivisível, porém partilhável.
O mundo precisa de mais loucos fora dos cativeiros, para além dos
esconderijos, sem serem abafados, sem viverem marginalizados. A loucura precisa
ser compartilhada, ser capaz de contaminar os intocáveis, e quem sabe, se
tornar um vírus letal capaz de assassinar nossas normoses. Louco não é o
diferente que se assumi diferente, mas sim aquele que acha ser capaz de viver
neste presente século em paz, harmonia e bem-estar social coletivo. Somos todos
loucos, quer seja pelo que somos, ou pelo que não queremos ser. Enfim, a
loucura é um bem coletivo, um patrimônio cultural de ser humano, uma condição
para se começar a viver.
É hora de se despir do traje de normal é redescobrir a nudez de se
estar aqui. O louco é bem-vindo nesta confraria de amigos. Pra cá sempre há
espaço para mais um que se sente deslocado frente à macha da humanidade moderna.
É aqui que todo insano pode se assumir quanto gente. Junto aos loucos nos
sentimos confortáveis, pois não precisamos usar as máscaras do normal. Junto
aos loucos percebemos que é normal
ser louco, por isto não mais precisamos disfarçar. Junto aos loucos podemos
sorrir, dançar, brincar, cornetar e até reconectar. Quando os loucos fogem...
todos perecem como loucos.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 29 de Maio de 2015]