segunda-feira, 29 de junho de 2015

Pequeno soluço de vivência

"Entre mim e mim, há vastidões bastantes para a navegação de meus desejos afligidos".
Cecília Meireles (1901-1964)

O espelho da existência reflete a história de vidas que o tempo não pode apagar. É perscrutar o íntimo daquilo que outrora fora e contemplar o futuro que um dia será. Com certeza, isto nos faz repensar sobre as palavras que se tem escrito na autobiografia da vivência. Sendo assim, a vida é feita de decisões, onde erros e acertos são duas faces de uma mesma moeda. Ao final, as lagrimas que rolam no rosto sofrido encontram nos lábios o sorriso perdido.

Ousar viver é redescobrir em cada manhã a oportunidade de chegar mais alto. É aventurar-se na selva das vivências e decodificar o mapa do tesouro de se estar vivo. É atrever-se há decifrar o tempo e ser protagonista da comédia chamada vida. De nada adianta construir casulos na tentativa de se proteger dos perigos de se estar vivo. Estar vivo é o maior risco que há.

A classe educacional chamada vida é definitivamente uma grande comédia. Por esta razão, os problemas do passado algumas vezes são as soluções do futuro. Os erros do pretérito, às vezes, se tornam em uma agradável rotina do presente. Os absurdos que aconteceram ontem podem se tornar normal amanhã. Por isto, é sábio olhar para trás, e avaliar a tortuosidade de nossas pegadas.

Desde o amanhecer até o sol se pôr, a escola da vida está de portas abertas para ensinar lições que o tempo insiste em não esquecer. Os anos passam, e, então, revelam os maiores paradoxos da existência humana: coragem e estupidez, ousadia e covardia, força e fraqueza. E é neste hilário abismo existencial do contraditório que se perceber que na jornada da vida os contra-sensos caminham de mãos dadas. Bem vindo à vida...

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 05 de Agosto de 2004]

quarta-feira, 17 de junho de 2015

O que nos falta é criatividade


“O maior inimigo da criatividade é o bom senso...”.
Pablo Picasso (1881-1973) 

O rumo para o qual estamos indo é sabido. Todos estão indo pra lá. Uma odisseia sem muita diversidade, sem muita identidade, sem muita intencionalidade e sem muita criatividade. Estamos indo, seguindo a maré. Sendo governados pela sonoridade da mídia que teatraliza e uniformiza a todos, nos tornando reféns de nossas próprias histórias. Há até uns discursos destoantes, mas, às vezes, parece que até isto é intencionalmente previsível. Tentam, convictamente, mostrar que o diferente é disforme, esquizofrênico, maléfico, alucinógeno, e coisas do gênero. Querem que acreditemos que ser distinto é uma esquisitice intolerável frente aos fracassados padrões desta sociedade do sucesso visível.

O principal sustentáculo de toda esta carência criativa é a culpabilidade, do outro, claro. Há de se culpar alguma coisa, alguém, algum passado, e quem sabe até o preconizar a culpa do futuro. Culpam a falta de recursos financeiros, e assim, se sujeitam a não conseguirem chegar para além da medíocre linha do sucesso empresarial. Culpam o governo pelas faltas sociais, e assim, encantam a si mesmos com enfadonhos discursos sobre a intangibilidade humanitária. Culpam os opressores do passado, e assim, encontram a grande desculpa para se acomodar no deleite do fracasso justificável. Culpam algumas pessoas por qualquer coisa, e assim, se escondem no revigorante vale das deliciosas acusações.

É preciso ir além. Até na arte de culpar é preciso que haja mais criatividade, pois estes discursos já caducaram. Não convencem mais. Apesar de ainda serem muito funcionais entre os romeiros da igualdade – por isto, repetir o que já foi dito é confortante, cumprimentar o outro com um pergunta que nunca tem resposta é amigável, descrever o óbvio com eloquência é admirável e escrever muito sobre o que todos sabem é enriquecedor. É preciso reinventar o que estamos fazendo! É preciso dizer verdades com um pouco mais de mentiras e, quem sabe, conseguir mentir com um pouco mais de verdade (verdades aqui representam nossas convicções mais concretas, e mentiras aqui representam nossas convictas incertezas, que geralmente as ridicularizamos).

A criatividade permite gangorrear, perder, arriscar, não saber, contemplar, chorar, enlutar, indagar, silenciar, desdomesticar, desadestrar, desmecanizar, despir... enfim, as pessoas criativas sabem que tristeza não significa estar triste, nem alegria significa estar alegre. Sabem que estar vivo não significa estar respirando, nem morrer significa estar enterrado. Pessoas criativas rompem o cativeiro das categorias. Rompem o estereótipo. Superam os estigmas. Por isto, precisamos de mais criatividade. Precisamos de cantores mais desafinados, de escritores mais analfabetos, de artistas mais despreparados, de professores com mais dúvidas, de carteiros sem endereços, de dançarinos sem música, de palhaços sem maquiagens, de repórteres sem notícias. Precisamos de pessoas desrotularizadas. Para que haja criatividade precisamos de liberdade. Liberdade de fazer feio, de não ser aceito, de contradizer. Liberdade de criar...

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 16 de Junho de 2015]