sábado, 27 de fevereiro de 2016

Urgentes, mais do que importantes


"O segredo é não correr atrás das borboletas... é cuidar do jardim para que elas venham até você”.
Mario Quintana (1906-1994) 

Da dicotomia entre urgente e importante muito já se foi debatido nos celeiros acadêmicos, especialmente do campo da administração e ciências afins. A definição é por demais simples: urgente se refere a tudo aquilo que precisa ser feito imediatamente; importante se refere a tudo aquilo que é estrutural. É obvio que o importante é mais “importante” que o urgente, mas estranhamente, na prática do cotidiano dedicamos mais tempos às emergências do que para as construções. Isto não é novidade. Entretanto, o que deveria nos incomodar não é a distinção dos termos, ou muito menos a certeza axiomática de que o importante precisa ser cultivado. O que realmente deveria incomodar é a não compreensão do porque na sociedade do século XXI somos tão facilmente seduzidos pelo urgente, mesmo quando não é de fato urgente.

O urgente deveria ser aquelas situações esporádicas que por estarmos tão atentos ao que realmente é importante, então, se mostrariam no horizonte como uma possibilidade, se houver tempo, pois afinal, estamos dedicando tempo ao que é importante. Entretanto, esta não é a realidade. Somos uma geração que se esconde por detrás da máscara do “sem tempo”, uma boa desculpa para gente que vive correndo do tempo. Dizemos estar sempre atrasados, mesmo quando não temos para onde irmos. Andamos depressa, mesmo quando há tempo para ir devagar. Esquivamos nossa intelectualidade no “estou cansado” com que num sussurro de desordem emocional e social que estamos emaranhados. Nosso corpo se desfalece na cama, não porque fizemos o que deveria termos feito ao final do dia, mas porque fizemos muito, mesmo sem saber termos tido progresso. Enfim, nos acostumamos com a sintonia e afinação do “urgente”, gostamos de estar lá, deleitamos em não termos tempo de reconhecer que não estamos vivendo o que é importante.

O urgente tem o dom de corroer nossa sanidade, dai nos põem numa roda gigante de intermináveis assuntos a serem resolvidos, que ao fim da lista já se pode ver na página seguinte outra lista a recomeçar. Podemos correr o dia todo, no outro dia a coisas estão lá outra vez para serem resolvidas. O urgente é como um capim em dias chuvosos, que se arranca dia após dia e ao olhar pra traz percebe-se que já nasceram outra vez. O urgente é interminável. Insuportável. Mas... há de se ter algo de sedutor no urgente, pois do contrário não viveríamos nossas trajetórias a enamorar com tal desvirtude. Talvez o urgente nos fascine com sua não rotina, mesmo que o amanhã seja igual. Quem sabe o charme do urgente seja a sensação de estarmos ocupados, mesmo que não produzindo nada. Quiçá o urgente nos embebede com sua objetividade, mesmo que ao fim não se tenha objetivos. O estado de urgente não dá lá muito tempo para se questionar estas coisas, pois não há tempo, se está sempre cansado, há muitas outras coisas para se fazer. O urgente é o câncer que nos define na sociedade moderna, é a mascara ideal para pessoas que precisam reafirmar suas convicções mais duvidosas, é uma selfie de nossa alma.

O importante fica lá no cantinho, a espera de um olhar para se desvelar como um caminho possível. O importante não é orgulhoso, não gosta de ficar se expondo todos os dias, não é dado a frases de efeito ou a encantos de gente que virou mercadoria. O importante é sempre o oposto do urgente. Jamais se consegue fazer algo de importante com urgência, se precisa de urgência, provavelmente não deve ser tão importante. O importante não precisa ficar correndo para parecer que se têm muitos lugares pra se chegar, como se nossas vidas se resumissem a destinos. O importante não se esmorece com o cansaço, pois sabe que é preciso descansar para se fazer o que é importante. O importante não é um estágio de sempre ocupado, pois o importante não se acumula. O importante não preocupa em acabar com listas de afazeres, pois só há uma coisa a se fazer, o importante.

Tristemente, somos uma sociedade do urgente, pois este se revela como uma patologia de nossas descontinuidades sociais, emocionais, afetivas, históricas, administrativas e religiosas – somos urgentes. O urgente nos faz sentir úteis, nos faz parecer estar inserido no movimento. Contudo, o urgente é uma dissimulação de nossas fraquezas que se fortalecem a cada ocorrência de emergência. O urgente nos faz sentir competentes a cada situação resolvida, nos faz acreditar que as coisas se resolvem rapidamente. Contudo, apesar de nosso imediatismo moderno, temos problemas históricos, estruturais. Então, a razão do urgente ser mais atrativo que o importante é relativamente simples: perdemos a importância.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 27 de Fevereiro de 2016]