"O segredo é não correr atrás das
borboletas... é cuidar do jardim para que elas venham até você”.
Mario Quintana (1906-1994)
Da
dicotomia entre urgente e importante muito já se foi debatido nos celeiros
acadêmicos, especialmente do campo da administração e ciências afins. A
definição é por demais simples: urgente se refere a tudo aquilo que precisa ser
feito imediatamente; importante se refere a tudo aquilo que é estrutural. É
obvio que o importante é mais “importante” que o urgente, mas estranhamente, na
prática do cotidiano dedicamos mais tempos às emergências do que para as
construções. Isto não é novidade. Entretanto, o que deveria nos incomodar não é
a distinção dos termos, ou muito menos a certeza axiomática de que o importante
precisa ser cultivado. O que realmente deveria incomodar é a não compreensão do
porque na sociedade do século XXI somos tão facilmente seduzidos pelo urgente,
mesmo quando não é de fato urgente.
O
urgente deveria ser aquelas situações esporádicas que por estarmos tão atentos
ao que realmente é importante, então, se mostrariam no horizonte como uma
possibilidade, se houver tempo, pois afinal, estamos dedicando tempo ao que é
importante. Entretanto, esta não é a realidade. Somos uma geração que se
esconde por detrás da máscara do “sem tempo”, uma boa desculpa para gente que
vive correndo do tempo. Dizemos estar sempre atrasados, mesmo quando não temos
para onde irmos. Andamos depressa, mesmo quando há tempo para ir devagar.
Esquivamos nossa intelectualidade no “estou cansado” com que num sussurro de
desordem emocional e social que estamos emaranhados. Nosso corpo se desfalece
na cama, não porque fizemos o que deveria termos feito ao final do dia, mas
porque fizemos muito, mesmo sem saber termos tido progresso. Enfim, nos
acostumamos com a sintonia e afinação do “urgente”, gostamos de estar lá,
deleitamos em não termos tempo de reconhecer que não estamos vivendo o que é
importante.
O
urgente tem o dom de corroer nossa sanidade, dai nos põem numa roda gigante de
intermináveis assuntos a serem resolvidos, que ao fim da lista já se pode ver
na página seguinte outra lista a recomeçar. Podemos correr o dia todo, no outro
dia a coisas estão lá outra vez para serem resolvidas. O urgente é como um
capim em dias chuvosos, que se arranca dia após dia e ao olhar pra traz
percebe-se que já nasceram outra vez. O urgente é interminável. Insuportável.
Mas... há de se ter algo de sedutor no urgente, pois do contrário não
viveríamos nossas trajetórias a enamorar com tal desvirtude. Talvez o urgente
nos fascine com sua não rotina, mesmo que o amanhã seja igual. Quem sabe o
charme do urgente seja a sensação de estarmos ocupados, mesmo que não
produzindo nada. Quiçá o urgente nos embebede com sua objetividade, mesmo que
ao fim não se tenha objetivos. O estado de urgente não dá lá muito tempo para
se questionar estas coisas, pois não há tempo, se está sempre cansado, há muitas
outras coisas para se fazer. O urgente é o câncer que nos define na sociedade
moderna, é a mascara ideal para pessoas que precisam reafirmar suas convicções
mais duvidosas, é uma selfie de nossa alma.
O
importante fica lá no cantinho, a espera de um olhar para se desvelar como um
caminho possível. O importante não é orgulhoso, não gosta de ficar se expondo
todos os dias, não é dado a frases de efeito ou a encantos de gente que virou
mercadoria. O importante é sempre o oposto do urgente. Jamais se consegue fazer
algo de importante com urgência, se precisa de urgência, provavelmente não deve
ser tão importante. O importante não precisa ficar correndo para parecer que se
têm muitos lugares pra se chegar, como se nossas vidas se resumissem a
destinos. O importante não se esmorece com o cansaço, pois sabe que é preciso
descansar para se fazer o que é importante. O importante não é um estágio de
sempre ocupado, pois o importante não se acumula. O importante não preocupa em
acabar com listas de afazeres, pois só há uma coisa a se fazer, o importante.
Tristemente,
somos uma sociedade do urgente, pois este se revela como uma patologia de
nossas descontinuidades sociais, emocionais, afetivas, históricas, administrativas
e religiosas – somos urgentes. O urgente nos faz sentir úteis, nos faz parecer
estar inserido no movimento. Contudo, o urgente é uma dissimulação de nossas
fraquezas que se fortalecem a cada ocorrência de emergência. O urgente nos faz
sentir competentes a cada situação resolvida, nos faz acreditar que as coisas
se resolvem rapidamente. Contudo, apesar de nosso imediatismo moderno, temos
problemas históricos, estruturais. Então, a razão do urgente ser mais atrativo
que o importante é relativamente simples: perdemos a importância.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 27 de Fevereiro de 2016]