quinta-feira, 24 de março de 2016

Jovens pobres brasileiros – revoltosos docilizados


“O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”.
Michel Foucault (1926-1984) 

Segundo Ribeiro (1985, p. 75) o povo brasileiro, como parte dos Povos-Novos, apresenta em sua constituição de formação cultural uma lacuna histórica, “a ausência de um segmento social intermediário e autônomo com o qual pudessem aliar-se na luta pela reordenação da sociedade”. A intermediação que se fazia necessário, segundo o autor, seria entre o estado de escravidão e à condição de trabalhadores livres. Portanto, segundo o autor, se desenvolveu a continuidade de “uma conduta passiva” e “um condicionamento ao regime servil”. Sendo que estas características permanecem pigmentando a história de vida do povo brasileiro, sendo especialmente visível entre as classes populares. Sendo válido considerar a observação de Burawoy (2010, p. 77), que baseado nos estudos de Bourdieu, afirma que: “a submissão ao capitalismo é profunda e inconsciente”. Este processo de passividade endossa o estado de naturalização da pobreza.

A conduta passiva e o condicionamento do regime servil (RIBEIRO, 1985, p. 75) se desvelam na vivência dos jovens pobres de periferias sob o disfarce de outras categorias, mas com similitudes ideológicas percebíveis, a saber: primeiro, a noção de protagonismo juvenil (DUARTE, 2012) que encarna a conduta passiva, transferindo toda culpa do sucesso ou fracasso para as histórias de vidas dos jovens, evitando assim qualquer possibilidade de rebeldia contra os agentes opressores, confirmando, então, o condicionamento ao regime servil, ou seja, os jovens pobres de periferias são docilizados (RIZZINI, 1997).

A segunda similitude parte da gestão filantrópica da pobreza, denunciada por Telles (2001). Sendo assim, os jovens pobres admitem passivamente o estado de naturalização da pobreza em suas histórias de vidas como um processo inevitável, culminando na intermediação social de Instituições do Terceiro Setor. Ao mesmo tempo em que as Instituições Sociais confirmam a passividade de ser jovem pobre, favorece o regime servil, pois para ser beneficiado por qualquer intervenção social é requerido dos jovens a obediência às diretrizes institucionais que, invariavelmente, ocupam territórios privados.

Os jovens pobres das periferias brasileiras desfrutam de uma historicidade que anteveem as suas próprias histórias de vidas e, então, remetem a uma história do Brasil. Sendo assim torna-se perceptível que o movimento de colonização ainda é constante e parece ter premunições de permanência histórico-social. Sendo que na atualidade o “globalitarismo” proposto por Santos (2001) ocupa-se de dar continuidade neste processo de colonização, condicionamento, exploração, dominação e naturalização. O resultado imediato é a negação de suas próprias histórias locais e a identificação com a história do opressor. O escape mnêmico que é dado se categoriza como esquecimento.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 24 de Março de 2016]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
RIBEIRO, Darcy. Os Brasileiros. Livro I – Teoria do Brasil. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
BURAWOY, Michael. O marxismo encontra Bourdieu. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2010.
DUARTE, Aldimar Jacinto. Jovens Urbanos da Periferia de Goiânia: Espaços Formativos e Mediações Escolares. 2012. 216 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Goiás, 2012.
RIZZINI, Irene. O Século Perdido: Raízes Históricas das Políticas Públicas para a Infância no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Universitária Santa Ursula, 1997.
TELLES, Vera da Silva. Pobreza e Cidadania. São Paulo: USP, 2001.
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do Pensamento único à Consciência Universal. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.