terça-feira, 21 de outubro de 2014

A infantilização do raciocínio nas universidades


“Criamos a época da velocidade, mas senti-mo-nos enclausurados dentro dela. Os nossos conhecimentos tornaram-nos cépticos”.
Charles Chaplin (1889-1977)

Os estudiosos da educação, especialmente no que se refere ao processo de concentração e cognição, defendem que na medida em que a pessoa vai crescendo sua capacidade de percepção/reflexão tende a expandir. Então, espera-se que a capacidade de concentração de uma criança de quatro anos seja mui diferente da de um adulto de 25 anos. Espera-se que uma criança de dois anos não tenha, ainda, condições de se interessar por assuntos complexos/conceituais, diferentemente de um adulto de 35 anos de idade. Espera-se que haja um amadurecimento gradual na medida em que a idade vai passando, e na medida em que vai se progredindo nas fases escolares. Espera-se que a capacidade de produção de texto, e a então capacidade crítica, seja desenvolvida ao longo do processo educacional. Espera-se que o aluno universitário seja mais interessado em aprender que um adolescente. Espera-se... e tão somente espera-se, pois a realidade tem desnudado um outro contexto (triste, vergonhoso e ascendente).

Nesta última década tenho trabalhado exclusivamente com a educação superior, e por puro (e conclusivo) empirismo afirmo que o nível dos alunos regrediu. O que tenho visto são verdadeiros “Benjamin Button” da educação – quanto mais envelhecem, mais se tornam crianças. Acredito que não estou sozinho nesta percepção. O professor Pierluigi Piazzi e o professor Sergio Cortella endossam está perspectiva (assista vídeos destes professores no YouTube). Os alunos estão chegando às universidades com menor capacidade crítica, com ausência de criatividade, com preguiça de pensar, com desdenho com a leitura, com morbidez na produção de texto, com déficit de respeito ao professor, com desprezo ao conhecimento e com carência emotiva. Este coquetel do mal tem tornado a sala de aula um lugar totalmente infantilizado.

O nível dos alunos piorou. Atualmente os alunos universitários não conseguem prestar atenção na aula (ou em estudos extraclasse) mais do que 15 minutos - equivalente à capacidade de concentração de uma criança no jardim de infância. Após este breve período os professores tem que valer-se de dinâmicas (nome pomposo para tornar lúdico o processo, comprovando a infantilização da educação superior). Os alunos são muito impacientes e tem muita dificuldade de completar uma tarefa - características de crianças de aproximadamente quatro anos de idade. Por isto, muitas atividades em classe ficam para casa (não é que não tenha tempo para fazer uma atividade, a verdade é que os alunos não estão tendo capacidade de fazer a atividade). Os alunos universitários não sabem lidar com conceitos abstratos (teorias/saberes), tudo têm que ser pragmático, visível, útil, imediato e concreto – atitudes estas que se assemelham a uma criança de seis anos de idade que ao se inserir no contexto escolar tem que começar a aprender a lidar com o abstrato (questões metafísicas, noções de tempo, espaço, pensamentos).

O nível dos alunos piorou. Atualmente os alunos da educação superior são facilmente irritáveis e terrivelmente emotivos – como crianças que não aceitam ser contrariadas. Assim ficam emburradas, fazem biquinhos e franzem a testa. Os alunos exigem respeito sem se darem ao respeito – irritam todos (especialmente ao professor), mas quando o irritam fica enraivecido e acha que é bullying, coisa de criança mimada que não tem noção de seus atos. Os alunos fazem da sala de aula uma sala de bate papo, onde silêncio é adjetivo raro – é tipo crianças que não conseguem ficar quietas, a não ser quando estão assistindo desenho da Peppa Pig. Os alunos estão indo para as faculdades para medir força bruta, se possível com o professor, com fins a desmoralizar estes educadores – são como adolescentes que por qualquer besteira querem brigar para se mostrar para os da sua gangue, a sala se tornou um octógono de MMA. Os alunos estão se desenvolvendo na técnica da fofoca conceitual, insistindo em falar mal de um professor para o outro professor, ou entre aluno-aluno – atitudes de características teen que denunciam a imaturidade destes novéis acadêmicos.

A educação superior no Brasil está sofrendo de um retrocesso intelectual e emocional, estamos presenciando uma infantilização da universidade. E a semelhança da técnica (senso-comum) para se matar sapos lentamente (coloque-o na água fresa e vai se esquentando gradativamente até o sapo morrer), estamos num caldeirão fervente, mas com sensação de água morna. De um lado os alunos se iludindo que estão aprendendo e não percebendo o quão infantis estão sendo. Do outro lado os professores que se renderam a esta nova condição de infantilização. O resultado é previsível: diplomas que não vale nada, conhecimentos desconexos, faculdade desmoralizada, saberes perdidos, professores cansados e donos de faculdades enriquecendo.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 21 de Outubro de 2014]

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Eu escolhi não votar


“O Estado é a organização económico-política da classe burguesa. O Estado é a classe burguesa na sua concreta força atual”.
Antonio Gramsci (1891-1937) 

A lenda mater que orbita no eixo do Sistema Governamental Brasileiro (independente de partido) é tentar convencer os tupiniquins que o voto obrigatório (e secreto) é o maior ato civilizatório e democrático que um cidadão pode ter. De fato isto ao fim, tristemente, se mostra como verdade, pois o único momento que nos travestimos de cidadãos é em épocas de eleições. Nos demais meses, em solos brasilianos, a cidadania é refém de direitos que são facilmente burlados, as ações comunitárias são financiadas partidariamente pelo Governo, os movimentos sociais se rendem ao poder, as escolas são enquadradas nas padronizações internacionais e os políticos alcançam foro privilegiado.

A eleição no Brasil, no formato e nas intencionalidades atuais, revela o quanto somos ultrapassados (leia-se manipulados). Todo o processo político brasileiro está desajustado frente à realidade contemporânea. Precisamos reaprender a politizar. Para tanto, primeiramente seria necessário desconfigurar a política como uma profissão (em termos lato sensu). O político seria um cidadão voluntário que quer lutar pelas causas sociais e coletivas. Para que isto se torne possível é preciso retirar o atrativo (abusivo) salário – até 1977 os vereadores no Brasil não eram remunerados. Tal prática é comum em vários países da Europa e Américas (México, França, Suíça, para citar alguns).

De todos os 181 países que integram a ONU (Organização das Nações Unidas), somente o Brasil remunera os vereadores. Estima-se que anualmente, no Brasil, o custo dos parlamentares, apenas referente a salários (fora benefícios intermináveis), é de aproximadamente R$ 11 bilhões de reais. Enquanto ser político for altamente atrativo no quesito financeiro não restará espaço para gente boa se interessar pelo assunto social-coletivo, pois estes serão sufocados pelos gananciosos cidadãos que fazem da política um forma de se enriquecer rapidamente (leia-se desvio de verbas). Uma ajuda de custo seria o suficiente para as despesas deste cidadão-político que representa os outros. Política tem que ser vocação, não profissão.

Uma segunda desorientação que se faz necessário é que o voto não seja obrigatório. Há várias pesquisas que tem comprovado que as pessoas votam porque são obrigadas, do contrário não se achegaria a este bacanal tupiniquim. A Folha de São Paulo publicou recentemente (11/05/2014) que 61% dos brasileiros são contra a imposição do voto. Se votar fosse, então, nosso ato sublime de cidadania, como propõem o Governo, deveria ser respeitado o direito de não querem votar – ainda mais sabendo que a maioria dos brasileiros não concorda com tal medida. Os que defendem o voto obrigatório são dois tipos: a) os que foram contaminados com a ilusão de que votar é um ato de democracia – estes apenas reproduzem o discurso do Governo; e, 2) os que vão se beneficiar com a eleição de outrem – este votam não por causa das propostas, mas sim pela barganha (vulgarmente: “mamar nas tetas do governo”).

Outra desorientação (terceira) que precisamos levar em consideração é que o voto não pode ser secreto. Se é democrático, não justifica ser secreto. Se supostamente fora feito por livre espontânea vontade, não carece de se esconder a escolha. Alguns poderiam argumentar que é secreto para proteger as pessoas. Entretanto, se precisa proteger, então, denuncia que há algo de errado no processo (existe um opressor). O voto precisava ser aberto, para que democraticamente pudéssemos ser avaliados e avaliar a partir de nossas escolhas. O voto secreto só favorece os corruptos que se valem do anonimato para se privilegiarem ou manipularem os indefesos cidadãos.

Há ainda mais desorientações que necessitam serem postuladas (quarta). Para que as eleições sejam de fato um ato democrático é preciso que se ultrapasse o dia da votação. É preciso criar uma forma de a população intervir/acompanhar os políticos durante o mandato e, se quiserem, terem o direito de retirar o voto dado há um determinado político. Isto sim seria cidadania e democracia. Contudo, novamente alguém poderia argumentar que isto instauraria o caos, provocando várias mudanças em pouco tempo, impedindo a continuidade das ações governamentais. Entretanto, se o povo se arrepende do voto em pouco tempo, então, nada mais democrático que permitir a alteração. E mais, a falácia da possível descontinuidade de projetos/ações não aconteceria por causa da mudança de políticos, pois tal descontinuidade já acontece nos mandatos normais, inclusive nas reeleições.

A quinta desorientação que aqui proponho é que seja feita uma reformulação total na forma de eleições no Brasil ao ponto de não precisarmos votar em pessoas, mas em projetos. Não entenda que há alguma resistência a pessoa enquanto gente. De forma alguma. Contudo, desta forma, eliminaríamos os coronéis-políticos que se sentam nos tronos da nação e usam a máquina governamental para continuarem suas monarquias eleitas. Além do que, se as eleições fossem tipo um licitação aberta, evitaríamos ter a necessidade de partidos políticos, que nos últimos anos só polarizaram cegamente as discussões políticas e dividiram passionalmente ainda mais a nação. Não precisamos de partidos políticos e não precisamos de pessoas (coronéis-carismáticos), o que precisamos é de projetos de gente da gente, de cidadãos que vivem as realidades brasilianas. Assim conseguiríamos ter ações direcionadas, específicas, desburocratizadas e desmonetizadas.

Por fim, uma última (sexta) desorientação que me permito propor é que se democratize o horário eleitoral gratuito que se encena na televisão. Não é nada democrático um candidato ter 15 minutos para expor seus cantos da sereia, enquanto outro tenho 2 minutos para expor suas cantigas. Se é para democratizar, que então comecemos pelo horário eleitoral gratuito, dispondo igualmente os tempos. E vou mais além, que haja as mesmas condições de produção de propaganda eleitoral, não é nada democrático um candidato ter recursos para contratar a melhor equipe de marketing e ou outro candidato ter que fazer seu programa com câmeras amadoras – isto é desleal, injusto e antidemocrático, além de não ser sincero com os cidadãos que ficam sempre a assistir.

Eu escolhi não votar, pelo menos não conforme os padrões do moderno-arcaico Brasil, mas não tinha esta opção para mim. Afinal, de fato, tenho que contentar toda a minha cidadania e democratização numa eleição. Minimizando minha participação pública num clique de urna. Ridicularizando minha racionalidade na escolha de políticos. Tristemente, somos todos obrigados a escolher alguém, mesmo que não se tenha alguém competente. No meu imaginário apolítico não vejo perspectiva de redenção na política brasileira, estamos contaminados com um vírus que já faz parte de nosso DNA, somos indivisíveis com nosso câncer. Portanto, me rendo, relutantemente, ao convite da auto-gestão – quem sabe assim poderemos encontrar uma vida mais simples, solidária e descapitalizada.

Ps.: tudo isto são delírios utópicos de um cidadão que se cansou da patifaria da política brasileira.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 02 de Outubro de 2014]