“O Estado é a organização económico-política
da classe burguesa. O Estado é a classe burguesa na sua
concreta força atual”.
Antonio Gramsci (1891-1937)
A lenda mater que orbita no eixo do Sistema Governamental
Brasileiro (independente de partido) é tentar convencer os tupiniquins que o voto obrigatório (e secreto) é o maior ato
civilizatório e democrático que um cidadão pode ter. De fato isto ao fim,
tristemente, se mostra como verdade, pois o único momento que nos travestimos
de cidadãos é em épocas de eleições. Nos demais meses, em solos brasilianos, a
cidadania é refém de direitos que são facilmente burlados, as ações comunitárias
são financiadas partidariamente pelo Governo, os movimentos sociais se rendem
ao poder, as escolas são enquadradas nas padronizações internacionais e os
políticos alcançam foro privilegiado.
A eleição no Brasil, no formato e nas intencionalidades atuais,
revela o quanto somos ultrapassados (leia-se manipulados). Todo o processo
político brasileiro está desajustado frente à realidade contemporânea.
Precisamos reaprender a politizar. Para tanto, primeiramente seria necessário
desconfigurar a política como uma profissão
(em termos lato sensu). O político
seria um cidadão voluntário que quer lutar pelas causas sociais e coletivas.
Para que isto se torne possível é preciso retirar o atrativo (abusivo) salário
– até 1977 os vereadores no Brasil não eram remunerados. Tal prática é comum em
vários países da Europa e Américas (México, França, Suíça, para citar alguns).
De todos os 181 países que integram a ONU (Organização das Nações
Unidas), somente o Brasil remunera os vereadores. Estima-se que anualmente, no
Brasil, o custo dos parlamentares, apenas referente a salários (fora benefícios intermináveis), é de aproximadamente R$ 11 bilhões de reais.
Enquanto ser político for altamente atrativo no quesito financeiro não restará
espaço para gente boa se interessar
pelo assunto social-coletivo, pois estes serão sufocados pelos gananciosos cidadãos que fazem da
política um forma de se enriquecer rapidamente (leia-se desvio de verbas). Uma
ajuda de custo seria o suficiente para as despesas deste cidadão-político que
representa os outros. Política tem que ser vocação, não profissão.
Uma segunda desorientação que se faz necessário é que o voto não
seja obrigatório. Há várias pesquisas que tem comprovado que as pessoas votam
porque são obrigadas, do contrário não se achegaria a este bacanal tupiniquim. A Folha de São Paulo publicou recentemente (11/05/2014) que 61% dos
brasileiros são contra a imposição do voto. Se votar fosse, então, nosso ato
sublime de cidadania, como propõem o Governo, deveria ser respeitado o direito de
não querem votar – ainda mais sabendo que a maioria dos brasileiros não
concorda com tal medida. Os que defendem o voto obrigatório são dois tipos: a)
os que foram contaminados com a ilusão de que votar é um ato de democracia –
estes apenas reproduzem o discurso do Governo; e, 2) os que vão se beneficiar
com a eleição de outrem – este votam não por causa das propostas, mas sim pela
barganha (vulgarmente: “mamar nas tetas do governo”).
Outra desorientação (terceira) que precisamos levar em
consideração é que o voto não pode ser secreto. Se é democrático, não justifica
ser secreto. Se supostamente fora feito por livre espontânea vontade, não
carece de se esconder a escolha. Alguns poderiam argumentar que é secreto para
proteger as pessoas. Entretanto, se precisa proteger, então, denuncia que há algo
de errado no processo (existe um opressor). O voto precisava ser aberto, para que
democraticamente pudéssemos ser avaliados e avaliar a partir de nossas escolhas.
O voto secreto só favorece os corruptos que se valem do anonimato para se
privilegiarem ou manipularem os indefesos
cidadãos.
Há ainda mais desorientações que necessitam serem postuladas
(quarta). Para que as eleições sejam de fato um ato democrático é preciso que
se ultrapasse o dia da votação. É preciso criar uma forma de a população intervir/acompanhar
os políticos durante o mandato e, se quiserem, terem o direito de retirar o
voto dado há um determinado político. Isto sim seria cidadania e democracia.
Contudo, novamente alguém poderia argumentar que isto instauraria o caos,
provocando várias mudanças em pouco tempo, impedindo a continuidade das ações
governamentais. Entretanto, se o povo se arrepende do voto em pouco tempo,
então, nada mais democrático que permitir a alteração. E mais, a falácia da
possível descontinuidade de projetos/ações não aconteceria por causa da mudança
de políticos, pois tal descontinuidade já acontece nos mandatos normais,
inclusive nas reeleições.
A quinta desorientação que aqui proponho é que seja feita uma
reformulação total na forma de eleições no Brasil ao ponto de não precisarmos
votar em pessoas, mas em projetos. Não entenda que há alguma resistência a
pessoa enquanto gente. De forma alguma. Contudo, desta forma, eliminaríamos os
coronéis-políticos que se sentam nos tronos da nação e usam a máquina
governamental para continuarem suas monarquias eleitas. Além do que, se as
eleições fossem tipo um licitação aberta, evitaríamos ter a necessidade de
partidos políticos, que nos últimos anos só polarizaram cegamente as discussões
políticas e dividiram passionalmente ainda mais a nação. Não precisamos de
partidos políticos e não precisamos de pessoas (coronéis-carismáticos), o que
precisamos é de projetos de gente da gente, de cidadãos que vivem as realidades
brasilianas. Assim conseguiríamos ter ações direcionadas, específicas, desburocratizadas
e desmonetizadas.
Por fim, uma última (sexta) desorientação que me permito propor é
que se democratize o horário eleitoral gratuito que se encena na televisão. Não é nada democrático um candidato ter 15
minutos para expor seus cantos da sereia, enquanto outro tenho 2 minutos para
expor suas cantigas. Se é para democratizar, que então comecemos pelo horário
eleitoral gratuito, dispondo igualmente os tempos. E vou mais além, que haja as
mesmas condições de produção de propaganda eleitoral, não é nada democrático um
candidato ter recursos para contratar a melhor equipe de marketing e ou outro candidato ter que fazer seu programa com câmeras
amadoras – isto é desleal, injusto e antidemocrático, além de não ser sincero
com os cidadãos que ficam sempre a assistir.
Eu escolhi não votar, pelo menos não conforme os padrões do moderno-arcaico
Brasil, mas não tinha esta opção para mim. Afinal, de fato, tenho que contentar
toda a minha cidadania e democratização numa eleição. Minimizando minha participação
pública num clique de urna. Ridicularizando minha racionalidade na escolha de
políticos. Tristemente, somos todos obrigados a escolher alguém, mesmo que não
se tenha alguém competente. No meu imaginário apolítico não vejo perspectiva de
redenção na política brasileira, estamos contaminados com um vírus que já faz
parte de nosso DNA, somos indivisíveis com nosso câncer. Portanto, me rendo, relutantemente,
ao convite da auto-gestão – quem sabe assim poderemos encontrar uma vida mais
simples, solidária e descapitalizada.
Ps.: tudo
isto são delírios utópicos de um cidadão que se cansou da patifaria da política
brasileira.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 02 de Outubro de 2014]
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