“É
por isso que se mandam as crianças à escola: não tanto para que aprendam
alguma coisa, mas para que se habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir
escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem mesmo que
têm de pôr em prática as suas ideias”.
Immanuel Kant (1724-1804)
Para Castel (2008), a escola até reivindica o
princípio da igualdade, mas é “incapaz de garantir a paridade dos grupos
sociais” (p. 50), perspectiva igualmente partilhada por Burawoy (2010), ao
afirmar que “embora pareçam neutras, as escolas presumem a posse de um capital
prévio” (p. 19). Para Bourdieu (2014), esse capital prévio é de origem
elitizada e de classe dominante.
Para Bourdieu (2007) a ação pedagógica transmite
conteúdo, mas também transmite “a afirmação do valor do conteúdo” (p. 257). Por
esta razão, afirma: “[...] A escola contribui, portanto, para reproduzir a
estrutura das relações entre as frações das classes dominantes fazendo com que
as crianças originárias de outras classes ou de outras frações não possam
extrair de seus títulos escolares o mesmo lucro econômico e simbólico obtido
pelos filhos da grande burguesia de negócios e do poder por estarem melhor
colocados para relativizar os julgamentos escolares” (Idem, p. 265).
Segundo o autor, a formação escolar, assim como a
diplomação/titulação escolar, está associada diretamente ao capital social do
indivíduo. Por essa razão, “o diploma não passa, em última instância, de uma
caução facultativa que serve para legitimar a herança” (BOURDIEU, 2007, p.
334). Para exemplificar essa lógica da hereditariedade profissional
condicionada à hereditariedade escolar, fruto direto de um capital global, o
autor cita a profissão de médico como exemplo mais palpável. Ele escreve a
partir do contexto da França, que não difere do contexto do Brasil nesse
quesito, pois número considerável de acadêmicos de medicina são filhos de
médicos, comprovando o processo de legitimação da herança.
As juventudes pobres brasileiras não apresentam
capital global competitivo, ou, ao menos, há de se admitir que o capital global
partilhável nas classes populares é destoante dos esperados pela escola e pela
cultura dominante (BOURDIEU, 2014). Então, segundo
Duarte (2012), há uma descrença nos instrumentos estatais como
reguladores de equidade e oportunidade, sendo, o Estado corresponsável pelo
desinteresse dos jovens pela educação. O autor endossando Bourdieu, afirma que:
“Observam-se, nos sistemas educacionais brasileiros, mecanismos sutis de
exclusão dos jovens da escola, garantidos por um complexo discurso que
preconiza a democratização da escola para todos, mas, na verdade, a poucos
reserva a continuidade e o sucesso escolar” (DUARTE, 2012, p. 194).
Para Duarte (2012), a escola deveria ser capaz de
dialogar com a realidade dos alunos, contribuindo para a formação de sujeitos
críticos, capazes de refletir sobre a realidade
histórico-social do bairro em que moram. Contudo, segundo postula, a escola é,
contrária e intencionalmente, o principal agente de manutenção das
desigualdades, inculcando nos jovens a obediência e a aceitação, assim como a
não identificação com a realidade local.
Nesse sentido, Nidelcoff (1980) defende que a
função do professor deveria ser a de ajudar os alunos a compreender a
realidade, a se expressar a partir dessa realidade e, por fim, descobrir-se
como elemento de mudança na referida realidade. Segundo a autora, “isto se
fundamenta numa visão do homem como ser histórico que se realiza no tempo” (p.
6-7). Contudo, como assevera Duarte (2014), “a cultura escolar aparece distante
da vida dos jovens, de suas necessidades, e muito pouco contribui para o
desenvolvimento humano e social” (p. 89), o que dificulta demais a permanência
dos jovens na escola, fato este igualmente perceptível nos relatos dos jovens.
Para Duarte (2012), a escola no contexto liberal
desempenha um papel ideológico e, por vezes, utópico em relação à ascensão
social das classes populares, ascensão esta que se daria, supostamente, por
consequência direta do mérito e do esforço individual desses jovens,
resgatando, assim, a mesma lógica do protagonismo, agora, porém, estabelecida a
partir das relações escolares. Tal perspectiva reafirma, mais uma vez, a rota
de colisão entre as expectativas subjetivas e as condições objetivas. Segundo o
autor, é por essa razão que se estabelece uma dialética perversa, que se
desdobra em dois momentos: primeiro, no fracasso escolar dos jovens pobres e,
segundo, no movimento de rejeição da escola.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 12 de Março de 2016]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.
BOURDIEU, Pierre. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.
BURAWOY, Michael. O marxismo encontra Bourdieu. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2010.
CASTEL, Robert. A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
DUARTE, Aldimar Jacinto. Jovens urbanos da periferia de Goiânia: Espaços Formativos e Mediações Escolares. 2012. 216 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Goiás, 2012.
DUARTE, Aldimar Jacinto. A educação escolar e os processos de enfrentamento da realidade urbana por jovens da periferia. Revista Educativa. Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Goiânia, v. 17, n. 1, pp. 75-92, jan/jun. 2014.
NIDELCOFF, Maria Tereza. A escola e a compreensão da realidade. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1980.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.
BOURDIEU, Pierre. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.
BURAWOY, Michael. O marxismo encontra Bourdieu. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2010.
CASTEL, Robert. A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
DUARTE, Aldimar Jacinto. Jovens urbanos da periferia de Goiânia: Espaços Formativos e Mediações Escolares. 2012. 216 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Goiás, 2012.
DUARTE, Aldimar Jacinto. A educação escolar e os processos de enfrentamento da realidade urbana por jovens da periferia. Revista Educativa. Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Goiânia, v. 17, n. 1, pp. 75-92, jan/jun. 2014.
NIDELCOFF, Maria Tereza. A escola e a compreensão da realidade. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1980.
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