"Somos todos escritores, só que alguns
escrevem e outros não".
José Saramago (1922–2010)
Escrever
cartas é uma habilidade de humanização. Demonstra a capacidade de se interessar
pelo outro, superando o egoísmo narcisista que brotam, invariavelmente e
sorrateiramente, nos corações da gente quanto gente. As cartas são lampejos de
solidariedade, intento dos que superaram o passado, mas sabem que no pretérito não
há conjugação verbal existencial e, então, precisa buscar notícias daquilo que
ficou para trás. Escrever uma carta requer intencionalidade, propósito,
sentimento, vivência, história, comiseração, compaixão... pois falar “besteira”
é até tolerável nesta sociedade do bate-papo, porém escrever “besteira” ainda não
é tão aceitável.
A
alfabetização ensina as pessoas a escrever letras que por não encontrarem
significado temporal se perdem, e
ali ficam assentadas nas carteiras. Tornam-se gente alfabetizada, mas que não
entenderam para que escrever. Insere-se numa escolarização que vale-se da
escrita como escrava do saber, esquecendo-se que é da escrita que se encontra a
liberdade para os ideais e idéias. Saber escrever não nos torna escritores,
apenas nos adestra para a medíocre vivencial coletiva. O que nos diferencia dos
outros animais é a capacidade de registrar em linhas metódicas as mais
inconstantes histórias, de juntar letras que agregam significados para além do
que se lê, de interpretar nos códigos linguísticos as bases epistemológicas
indecifráveis da vida.
Escrever só
é escrita quando feito a mão-livre, pois estas letras digitadas (ou datilografadas)
de computadores e máquinas suplantam as
subjetividades que borrariam as
formas e arredondamentos consonantais/vogais. Quando se escreve deixa-se a
letra ser um escrito à parte, denunciando as frustrações, desenquadramentos,
inconformidades, erros, deslizes de gente que entende que escrever é um ato
essencialmente humano. Quando se escreve com mãos-livres, as alegrias, paixões,
surrealismos, utopias e euforias são igualmente mais perceptíveis (chegam a ser
tangíveis). Assim quando se escreve, está se escrevendo para além dos registros
gráficos linguísticos. Por isto, escrever é mais que por letras em ordem
cognoscível, é preciso ser feito a mão-livre, para ser livre.
Ao findar do
gênero escritores, finda-se os carteiros, que tinham a mais nobre missão de
fazer as histórias chegarem aos destinos mais improváveis e reconectar pessoas.
Sem emissor, sem mensagem, sem destinatário, sem vida, sem histórias a serem
contadas, então, não se justifica ter carteiros para uma geração que não
escreve. Sendo assim, tristemente nos acostumamos com a perda de nossa idiossincrasia,
toleramos receber malas-diretas e newsletter,
que não tem nada escrito, apesar de tantas letras, desenhos e estéticas
mercadológicas. São meros spam’s a
serem ignorados. Enfim, falta-nos personalidade e pessoalidade, falta-nos
escrever.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 28 de Fevereiro de 2015]