“sábio é o homem
que chega a ter consciência de sua ignorância”.
Barão de Itararé (1895-1971)
A cada
geração um novo perfil existencial se reformula, agregando valores do passado, superando
limitações de outrora e recriando novas deformidades. Estar vivo é andar em
metamorfose. No presente século três deficiências patológicas são imanentes à
existência: ser cego, corcunda e lesionado. Cego por usar muito o celular, tablet, notebooks e PC’s em geral com uma proximidade errada e iluminação
inadequada; está é uma geração de crianças com pouca visão. Corcunda por
igualmente usar os aparelhos supra citados anteriormente com a postura errada,
dilacerando paulatinamente a coluna e provocando uma inevitável encurvadura;
está é uma geração de pessoas entortadas. Lesionado porque, a despeito da má
utilização dos referidos equipamentos, fica-se (e fixa-se) por horas a fio
digitando (catando letras) nos teclados virtuais; está é uma geração de gente
com dores precoces.
Da tríade: “cegos,
corcundas e lesionados” desencadeia-se uma evolução duvidosa sobre a nossa
identidade social, ideológica e mitológica. Escuta-se esbravejar uma suposta
falta de tempo que não coincide com a realidade do tempo empregado em redes
sociais e bate-papos. A verdade, obscurecida, é que estamos mais carentes de
afetos, por esta razão buscamos conversar ao máximo com o maior número de
pessoas (o mais virtual possível) para que não haja tempo de nos a perceber no
vazio que habita em nós fora das conexões da internet. Estamos correndo muito
para cansarmos ao máximo e assim não termos tempo de contemplar a inutilidade
de nossa jornada. Sonhamos alto para não ter que enfrentar a dura realidade que
assola as noites silenciosas. Desta maneira, não seremos chamados de
fracassados, mas sim de sonhadores (codinomes e pseudônimos da virtualidade dos
nossos discursos).
Da tríade:
“cegos, corcundas e lesionados” revive-se, tipologicamente, o corcunda de Nortre-Dame
que reconhece sua submissão tola a um sistema frágil e corrupto. Reacende em
nós a chama da liberdade, mesmo nunca tendo estado lá. Denuncia nossa “feiosidade”
frente ao mundo de belezas estilizadas com películas de fotos e ajustes de fotoshop. Sendo assim, além de corcunda
personifica um frankenstein que se esconde nas letras de um bate-papo qualquer,
tampando as mais terríveis deformidades de caráter com medo de sermos visto
como somos, sem sorrisos, sem efeitos, apenas sendo humano. Gente esta que
aprendeu a submeter-se aos padrões mais ridículos por puro desdenho ao criador,
gente que esquece que mesmo sendo criatura temos personalidade, temos
identidade. Somos, então, tão diferentes que não mais nos vemos como iguais,
desprezando o outro que, para além da virtualidade, também sucumbi a terrível
realidade da vida.
Ser “cego,
corcunda e lesionado” não é um estereótipo moderno, é o que nos define. Longe
de ver a realidade por causa da sombra que esconde a verdade óbvia; encurvados
frente a uma máquina que escraviza impetuosamente as mentes infantis de gente
adulta por causa das facilidades inexplicáveis; lesionados no coração, na alma
e no espírito, sendo a mão apenas um sinalizador que a dor é mais profunda por
causa de nossa integração humanística. Sim, somos cegos, apesar de vermos
vários rostos no facebook, semblantes que não significam nada. Sim, somos
corcundas, apesar de discursarmos superioridade machista ou feminista, pouco
importa, ambos perderam a noção de equidade. Sim, somos lesionados, apesar de
sermos a geração do bem-estar fitnes,
que faz pouse para o outro admirar ou repudiar. Tristemente, nos tornamos um
retrato de tudo àquilo que evitamos histórica e socialmente.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 12 de Fevereiro de 2015]
Máquina que escraviza impetuosamente mentes infantis de gente adulta... Pra mim o ponto máximo do seu texto.
ResponderExcluirOla, obrigado por comentar. Realmente, o problema está ai nesta "bifurcação" existencial.
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