“Importante não é ver o que ninguém
nunca viu, mas sim, pensar o que ninguém nunca pensou sobre algo que todo mundo
vê”.
Arthur Schopenhauer (1788-1860)
Desde a minha infância sempre associei a atividade reflexiva, isto
é, a capacidade de pensar, com algo que se envolvesse ao menos com alguma das
alienas que se seguem: leitura, crítica, academicidade, livro, extrapolar o
senso-comum, insights originais,
criatividade, entre outros distintivos semelhantes. Pensar não era uma atividade
normal, ou um atributo natural de se ser “ser humano”, pensar requeria
capacidade de correlacionar saberes, era preciso ter uma visão total dos fatos
para emitir uma opinião decente, era necessário ter fundamentação
teórica-conceitual-filosófica e aplicabilidade de práxis. Talvez seja por esta razão que passamos tanto tempo na
escola, ou seja, tentando aprender a pensar, mas no fim percebemos que, às
vezes, o tempo estudantil fora insuficiente ou inútil para tal intento.
A escola, percebendo que, na maioria das vezes, não conseguia
fazer as pessoas pensarem, optaram, então, por resumir suas funções pedagógicas
a: provas, avaliações, trabalhos, aulas e atividades socioeducativas. Para
pensar é preciso romper estes limitadores educativos, carece superar as jaulas da escola e faz-se necessário ler
mais que o proposto por professores. A escola pode até ser relevante no
processo de desenvolvimento do pensar, mas não necessariamente por causa de
seus programas educacionais, talvez sim por oportunizar uma diversificação de
histórias carregadas de historicidades, aprendizados empíricos e também por
causa do conhecimento acumulado. Enfim, o ambiente escolar pode até ser um dos
vários fomentadores do pensar, mas é preciso tira-lo do cativeiro acadêmico,
pensar requer liberdade.
Estranhamente, passados os anos da minha infância, percebo hoje
que pensar pouco tem haver com os parágrafos anteriores aqui descritos e a
escola se distanciou mais ainda desta capacidade reflexiva. Deste hiato
monstruoso e desta orfandade reflexiva
surgiu uma nova aplicabilidade do termo “pensar”, que modernamente (estranha e
esquizofrenicamente) fora associado a um tal de “cantinho da disciplina”. Quem
popularizou (não necessariamente quem criou a concepção) foram as supernanny’s (utilizo no plural porque a
supernanny brasileira, Cris Poli, na
verdade é um remake “suecado” do
programa norte-americano). A ideia é colocar a criança no “cantinho da
disciplina” para “pensar”, e detalhe, o tempo de pensar é proporcional à idade
da criança (1 ano, 1 minuto; 2 anos, 2 minutos; e assim sucessivamente).
Ao associar o ato de pensar com o castigo (termo suavizado pela
expressão pomposa “cantinho da disciplina”) cria-se uma das piores associações possíveis,
capaz de causar deformidades conceituais inimagináveis. Primeiro, porque, a
criança já cresce entendendo que pensar significa ir para o castigo. Segundo, a
criança é fortemente condicionada a entender que pensar é uma ação que se dá a
partir de erros cometidos. Terceiro, a criança associa pensar com ficar quieto
num canto, isolado. Quarto, a criança aprende que após pensar receberá
estímulos positivos. Quinto, a criança cria um conceito demonizante do termo pensar. Sexto, parece haver certa proximidade imagética
do “cantinho da disciplina” com o antigo castigo de colocar crianças com
orelhas de burro no canto da classe. Tristemente, nesta modernidade tardia,
pensar não tem mais nada haver com experiência (numa perspectiva Benjaminiana –
Walter Benjamin), leitura, reflexão conceitual, historicidade e etc. Chegamos ao
tempo em que pensar, enfim, virou um castigo!
Fico a imaginar estas crianças ao chegarem ao ensino médio, ou na
faculdade, e o professor pronunciar a expressão: “classe, vamos pensar”. Quais
as correlações, sensações, simbolismos de representação e recalque (conforme propõem
Sigmund Freud) serão resgatados? Qual a violência simbólica, como propõe Pierre
Bourdieu, estão intrínseco neste ato de
pensar como posto na atualidade. É provável que a reação seja
desconcertante. Ou quem sabe, chegará o dia em que já não mais se usará a
expressão “vamos pensar” em sala de aula para evitar estas aproximações placebas
de ordem conceituais/psicológicas/psicanalíticas de similitudes com o castigo.
De uma forma ou de outra, o ato de pensar, deixa de ser um lugar reflexivo/conceitual
e ocupa um lugar minimizado, ridicularizado e infantilizado. Tristemente, chegamos
ao tempo em que pensar, enfim, virou um castigo!
Ps.: Reconheço que o “cantinho da disciplina” é uma metodologia que
tem suas funcionabilidades e aplicabilidades, especialmente por excluir agressões
verbais ou físicas, entre outros benefícios. Genuinamente, a metodologia em si tem lá seus
resultados positivos. Contudo, não é sobre isto que o referido texto está
discutindo. O foco aqui é sobre os impactos do termo “pensar” na construção cognitiva
das crianças. O problema não está no método em si, mas sim na nomenclatura de
designação: “pensar”.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 15 de Maio de 2015]
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