"Renda-se,
como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se
preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”.
Clarice
Lispector (1920-1977)
Ser útil é muito cansativo! Não sobra tempo para perder, não resta
opções sem resultados, não há espaço para desinteressar-se, não carece de
quietude. Ser útil é confundir-se com que se faz. É ser julgado pelo que se
produz. É caminhar sempre em frente. Ser útil é muito chato! Descobrir-se útil
é emaranharem-se numa teia horrenda de interesses, trocas e desgastes. O útil é
interessante, pois sempre tem algo a oferecer para outrem, sempre tem um
conselho motivador, sempre está pronto para o que quer que precise, sempre tem
que estar “lá”. Ser útil é uma futilidade! O útil não vê utilidade em cultivar
flores, apenas quer árvores frutificas, pois estas lhe dão retorno. O útil não
vê utilidade em andar a pé, apenas quer se locomover rápido, pois o que lhe
interessa é chegar logo “lá” e rapidamente ir para outro lugar “lá longe”. O
útil não consegue criar identidade, pois não passa tempo suficiente “lá”.
No cenário contemporâneo, infelizmente, as nossas relações se dão
pela capacidade de utilidade das pessoas. Tristemente, somos amigos daqueles
que podem nos oferecer algo. Dificilmente teremos amigos inúteis, pois afinal
estes não servem para nada. Estranhamente, amigos tem que ser úteis, tem que
produzir algo, tem que oferecer alguma coisa, tem que ter relevância. Neste
contexto de utilidades não resta espaço para amigos deficientes físicos ou
mentais, pois estes têm pouco a oferecer de útil frente aos padrões de sucesso
moderno. Quase não temos amigos crianças, pois igualmente estes são infantis, e não temos tempo a perder com
coisas de crianças. Poucos são os que têm amigos velhos, pois estes já não tem
mais vigor para produzir algo. Portanto, para o que tornamos, os amigos tem que
ser úteis.
Ao findar um filme queremos entender a relevância da história ali contada,
como se tudo na vida tivesse que ter sentido ou tivesse que ter finais lógicos
e meritocráticos. Filmes “sem finais” nos deixam inquietos e frustrados, pois
queremos sempre que as coisas cheguem há algum lugar, e saber que nem sempre no
fim as coisas dão certo, ou que às vezes nem se tem um fim, produz desordem
mental e emocional às nossas vidas úteis. Não suportamos o estado de inconclusão,
de não obviedade, de contemplação, de suspensão. Nos tornamos úteis demais para
suportar o inacabado. Nos tornamos úteis demais para tolerar a inutilidade de
qualquer coisa. Nos tornamos úteis demais para perceber os detalhes de uma
história. Nos tornamos úteis demais para entender aquilo que precisa de
sensibilidade. Nos tornamos úteis demais para não entender algo.
Enfim, quero redescobrir minha grande inutilidade, e então, reaprender
a viver!
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 12 de Agosto de 2015]
Gostei muito, todavia penso que devemos trocar a inutilidade por um conceito de comunhão eficiente, que não segue as regras do utilitarismo, mas pelo amor, perdão e bondade, faz pessoas antes inúteis serem para nós úteis novamente (Filemom 7, 11).
ResponderExcluirOla, gran Helio. Que bom que deixou por aqui sua impressão acerca do texto. Acredito que a "dificuldade" ou "desconforto" com os termos: inútil e/ou útil, seja apenas uma questão de local da escrita, cosmovisão, pano de fundo do próprio texto. Escrevo a partir de uma percepção moderna muito latente de que o termo útil já não tem muito haver com o útil das traduções bíblicas ou dos tempos antigos. Digo isto por entender que a linguagem está sempre em movimento, agregando novas identidades e representações a partir de sua utilização coletiva, então, ser útil nesta modernidade tardia é algo, ao meu ver, opressivo, cansativo e desmoralizante, além de agregar percepções de consumismo da própria alma. Contudo, insisto, tudo depende do contexto de quem escreve, de onde escreve e das experiências de quem escreve. Espero que tenha sido "útil" meus esclarecimentos...
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