“O homem tem medo de sua espontaneidade (...) o
homem temerá viver apelando à sua espontaneidade até que aprenda a provocá-la”.
Jacob Levy Moreno (1889-1974)
Enquanto
pequenos dançamos, sem ninguém nos ensinar, sem ninguém nos constranger.
Dançamos, pois é isto que se faz quando se está feliz. Dançamos sem saber os
passos ao certo, sem ter uma coreografia coletiva a ser imitada por todos, sem
ter muita ginga ou molejo. Não era preciso saber dançar para dançar. Simplesmente
dançávamos. Dançar é um ato de liberdade, ousadia e rebeldia. Dançar é
confrontar o adestramento moderno de ritmos enjaulados e bailarinos emudecidos.
Dançamos, pois é isto que fazemos quando somos.
Lá também
cantávamos, desafinados, meio gritado, um tanto quanto engargantado. Contudo,
isto não importava, é preciso por pra fora toda sonoridade que ecoa dentro de
nós. É preciso dar voz e ritmo a nossas desilusões e ilusões. Quando pequenos
não precisávamos saber a letra da música para cantarmos, afinal, cantar não é
uma função decorativa do cérebro. Cantar é, antes de tudo, um ato de neurose
eufórica de existência humana. É um estereótipo de nossas desconformidades. Cantávamos,
pois é isto que embala nossos corações e razões. Cantamos, pois é preciso
romper o silêncio do que somos.
Depois
de tantas, crescemos. Então, nos esquecemos de como se dança, ficamos
envergonhados por não saber os passos repetitivos dos iguais. Lá, dançar não é
pra todos, é espetáculo a ser admirado, contemplado, mas nunca partilhado. É
muito triste não poder mais dançar, mas mais triste é admirar os que dançam, pois
isto é contemplação nostálgica daquilo que um dia fomos. Quando dançar for para
poucos, então, muitos perdem. Dançar é tipo saltar,
desestabilizar o corpo, confundir as possibilidades... dançar tem que ser mais
que harmonizar, é preciso que haja destoação.
Dançar é, portanto, uma apresentação única, às vezes, na maioria das vezes, sem
espectadores. Dançar é o que fazemos quando descobrimos o que somos.
Lá
pelas tantas, daquela mesma época, nos dizem que cantar é uma arte clássica,
com difíceis melindres artísticos. Para tanto, elitizaram a música. Tornaram as
notas inalcançáveis, ditaram as letras do que é aceitável, rotularam a cultura
popular regional como algo inaudível. Tristemente, e inevitavelmente, criaram o
karaokê. Neste tempo, catamos apenas as letras já cantadas, no ritmo já dado,
nas notas já postas. Enlatamos a música. Cantar bem poderia ser tipo aquelas
frases incognoscíveis que balbuciávamos quando pequenos, que tinham todo
sentido para além das palavras. Cantar bem poderia voltar a ser despretensioso,
sem sequência predeterminada, para dar o tom que estiver disponível para
colorir quem de fato somos.
Cantar
e dançar são expressões de nossa identidade social, é o que nos define, nos
distingue, é o que desnuda nossa mais bela insanidade idiossincrática. Perdemos
muito por só andar e só falar, por só correr e gritar. Perdemos muito por não
mais conseguirmos nos expor ao ridículo da música e do baile. Tristemente, nos marionetamos aos limites dos sons
pré-formatados e igualmente nos fantocheamos
na sutileza das coreografias pré-estabelecida. Enfim, domesticamos nossa
insanidade, e a comprovação de tal genocídio artístico é que perdemos a
habilidade de dançar e cantar, como fazíamos enquanto pequenos.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 10 de Outubro de 2015]
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