sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Aprovados em Medicina e nossas descelebrações


“Por natureza, os homens são próximos; a educação é que os afasta”.
Confúcio (551 a.C. – 479 a.C)

O encerrar do ensino médio traz consigo várias decisões consequentes que afetarão substancialmente a vida de seus protagonistas. A escolha do curso superior é uma destas que assola o vulnerável coração de adolescentes e jovens em solos tupiniquins. Até porque fazer um curso superior implica numa possível carreira profissional a partir dos conhecimentos que serão adquiridos. E é exatamente desta verdade que parte a crise educacional, profissional e ideológica de nosso tempo contemporâneo. Tem-se que escolher o que estudar (curso - área do conhecimento) e verificar todas as variáveis possíveis de uma jornada profissional (questões de sustentabilidade financeira, abrangência de mercado, condições de desenvolvimento, aptidão, paixão....). Contudo, o que mais se ouve como indagação decisiva é se o curso traz retorno financeiro, por esta razão muitos estão escolhendo Medicina – obviamente que há exceções.

O curso de Medicina resume tudo que os homens procuram: estabilidade financeira e status. Ao ver os classificados com vagas para médicos é normal encontrar salários iniciais de aproximadamente seis mil reais com carga horária muito inferior as tradicionais 40 horas semanais exigida dos outros pobres mortais-assalariados. Sendo que boa parte dos médicos atuam em dois ou mais hospitais, o que dobra ou triplica tal remuneração. Portanto, não há dúvidas que o caminho na Medicina é bem enriquecedor – nos mais diversos significados do termo enriquecedor. Paralelamente, ser médico (e os do ramo de Direito) são as únicas pessoas no mundo que recebem o título de Doutor (Dr.) sem terem feito doutorado, conferindo a estes um status altamente desejável na sociedade. Enfim, desfilar com os apetrechos/arquétipo de médico confere respeito e dinheiro – obviamente que a atuação médica não se restringe a estes benefícios, agregando várias responsabilidades e percalços aqui não mencionados.

A boa remuneração e o status oferecidos pelos cursos de Medicina provoca uma verdadeira odisseia juvenil nas escolas e cursinhos espalhados pelo Brasil. Há notícia de vários cursinhos que se especializaram com foco exclusivo no curso de Medicina, há ainda aqueles que o próprio nome da Instituição de Ensino se tornou “Medicina” deixando claro para a sociedade local que esta escola foca totalmente na aprovação de pessoas no curso de Medicina. Ao que parece, se você tem entre 16 a 19 anos, e não quer fazer Medicina, provavelmente deva ter algum distúrbio intelectual, hormonal, ou espiritual. Não querer fazer Medicina parece soar como uma afronta. Verbalizar que não tem interesse de ser médico faz gerar dúvidas sobre sua sanidade mental. O efeito de tal peregrinação medicienica é a desvalorização de outros cursos/profissões que são de vital importância para a humanidade, vários destes relegados cursos ainda existem porque são obrigados a serem mantidos (com muito prejuízo!) pelas Universidades Federais.

As escolas de ensino médio e os cursinhos se gabam quando alguém passa em Medicina, fazem-se outdoores, propagandas, banner’s e toda sorte de divulgação possível. Ao que parece é a coroação de um vencedor. De contrapartida, nos bastidores educacionais alguns poucos indomesticáveis (facilmente intitulados de fracassados) ousam prestar vestibular para cursos tipo: Arqueologia, Sociologia, Filosofia, Biblioteconomia, Astronomia, Geologia, Letras, Música, Oceanografia, Terapia Ocupacional, Antropologia, Museologia, entre tantos outros cursos marginalizados. Os que passam nestes cursos citados jamais terão seus rostos estampados em outdoor. Para estes não há status, e geralmente também não há boa remuneração. São anônimos agentes da história, que mantem vivo o conhecimento e suas relevâncias na coletividade. A estes descelebrados devemos nossa continuidade, humanidade e sanidade.

Fazer Medicina por dinheiro ou status é escolher o caminho da autodestruição, porém não poderíamos finalizar esta pensata sem destacar que há alguns poucos alunos que optam pela Medicina por vocação. Para estes, Medicina é: salvar vidas, correr riscos com fins a ajudar desconhecidos, estudar para melhorar a condição humana, desenvolver o intelecto como algo de patrimônio cultural-coletivo, submeter-se a responsabilidade de vida ou morte, e, alegrar-se em ter sido útil em fazer a vida continuar. Estes poucos médicos de vocação sabem que não são mais importantes que um musicoterapeuta, admitem que não são mais nobres que um museólogo, reconhecem que não devem ser mais aplaudidos que um filósofo, sabem que não carecem de status superior a um antropólogo. Portanto, devemos voltar nossos olhos para os vários cursos que ousamos descelebrar, visando resgatar o equilíbrio, maturidade e fraternidade.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 08 de Agosto de 2014]

2 comentários:

  1. Hoje mesmo passei por um banner com fotos de 15 "vencedores" que passaram em medicina. Sempre me indignou os cursinhos não prestigiarem os que passaram em outros cursos. Os jornais ajudam nesse descompasso. Quando divulgam os nomes dos mais bem colocados só revelam o nome do curso, na primeira página do jornal, se o bendito curso for MEDICINA. Parabéns pelo ótimo texto.

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    1. Ola, Valeria. Obrigado por comentar o artigo. Que bom saber que tem pessoas que tem criticado a macha na qual estamos inseridos. Precisamos reencontrar o caminho da sensatez, pois esta "tará" por medicina tem desnudado o quanto a nossa sociedade perdeu a noção de humanidade.

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