“Por natureza, os homens são próximos; a
educação é que os afasta”.
Confúcio (551 a.C. – 479 a.C)
O encerrar do ensino médio traz consigo várias decisões
consequentes que afetarão substancialmente a vida de seus protagonistas. A
escolha do curso superior é uma destas que assola o vulnerável coração de
adolescentes e jovens em solos tupiniquins. Até porque fazer um curso superior
implica numa possível carreira profissional a partir dos conhecimentos que
serão adquiridos. E é exatamente desta verdade que parte a crise educacional,
profissional e ideológica de nosso tempo contemporâneo. Tem-se que escolher o
que estudar (curso - área do conhecimento) e verificar todas as variáveis
possíveis de uma jornada profissional (questões de sustentabilidade financeira,
abrangência de mercado, condições de desenvolvimento, aptidão, paixão....).
Contudo, o que mais se ouve como indagação decisiva é se o curso traz retorno
financeiro, por esta razão muitos estão escolhendo Medicina – obviamente que há
exceções.
O curso de Medicina resume tudo que os homens procuram:
estabilidade financeira e status. Ao ver os classificados com vagas para
médicos é normal encontrar salários iniciais de aproximadamente seis mil reais
com carga horária muito inferior as tradicionais 40 horas semanais exigida dos
outros pobres mortais-assalariados. Sendo que boa parte dos médicos atuam em
dois ou mais hospitais, o que dobra ou triplica tal remuneração. Portanto, não
há dúvidas que o caminho na Medicina é bem enriquecedor
– nos mais diversos significados do termo enriquecedor. Paralelamente, ser
médico (e os do ramo de Direito) são as únicas pessoas no mundo que recebem o
título de Doutor (Dr.) sem terem feito doutorado, conferindo a estes um status
altamente desejável na sociedade. Enfim, desfilar com os apetrechos/arquétipo
de médico confere respeito e dinheiro – obviamente que a atuação médica não se
restringe a estes benefícios, agregando várias responsabilidades e percalços
aqui não mencionados.
A boa remuneração e o status oferecidos pelos cursos de Medicina
provoca uma verdadeira odisseia juvenil nas escolas e cursinhos espalhados pelo
Brasil. Há notícia de vários cursinhos que se especializaram com foco exclusivo
no curso de Medicina, há ainda aqueles que o próprio nome da Instituição de
Ensino se tornou “Medicina” deixando claro para a sociedade local que esta
escola foca totalmente na aprovação de pessoas no curso de Medicina. Ao que
parece, se você tem entre 16 a 19
anos, e não quer fazer Medicina, provavelmente deva ter algum distúrbio intelectual,
hormonal, ou espiritual. Não querer fazer Medicina parece soar como uma
afronta. Verbalizar que não tem interesse de ser médico faz gerar dúvidas sobre
sua sanidade mental. O efeito de tal
peregrinação medicienica é a
desvalorização de outros cursos/profissões que são de vital importância para a
humanidade, vários destes relegados cursos ainda existem porque são obrigados a
serem mantidos (com muito prejuízo!) pelas Universidades Federais.
As escolas de ensino médio e os cursinhos se gabam quando alguém passa
em Medicina, fazem-se outdoores, propagandas, banner’s e toda sorte de
divulgação possível. Ao que parece é a coroação de um vencedor. De
contrapartida, nos bastidores educacionais alguns poucos indomesticáveis (facilmente
intitulados de fracassados) ousam prestar vestibular para cursos tipo:
Arqueologia, Sociologia, Filosofia, Biblioteconomia, Astronomia, Geologia,
Letras, Música, Oceanografia, Terapia Ocupacional, Antropologia, Museologia,
entre tantos outros cursos marginalizados. Os que passam nestes cursos citados
jamais terão seus rostos estampados em outdoor. Para estes não há status, e
geralmente também não há boa remuneração. São anônimos agentes da história, que
mantem vivo o conhecimento e suas relevâncias na coletividade. A estes
descelebrados devemos nossa continuidade, humanidade e sanidade.
Fazer Medicina por dinheiro ou status é escolher o caminho da
autodestruição, porém não poderíamos finalizar esta pensata sem destacar que há
alguns poucos alunos que optam pela Medicina por vocação. Para estes, Medicina
é: salvar vidas, correr riscos com fins a ajudar desconhecidos, estudar para
melhorar a condição humana, desenvolver o intelecto como algo de patrimônio
cultural-coletivo, submeter-se a responsabilidade de vida ou morte, e,
alegrar-se em ter sido útil em fazer a vida continuar. Estes poucos médicos de
vocação sabem que não são mais importantes que um musicoterapeuta, admitem que
não são mais nobres que um museólogo, reconhecem que não devem ser mais aplaudidos
que um filósofo, sabem que não carecem de status superior a um antropólogo. Portanto,
devemos voltar nossos olhos para os vários cursos que ousamos descelebrar, visando
resgatar o equilíbrio, maturidade e fraternidade.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 08 de Agosto de 2014]
Hoje mesmo passei por um banner com fotos de 15 "vencedores" que passaram em medicina. Sempre me indignou os cursinhos não prestigiarem os que passaram em outros cursos. Os jornais ajudam nesse descompasso. Quando divulgam os nomes dos mais bem colocados só revelam o nome do curso, na primeira página do jornal, se o bendito curso for MEDICINA. Parabéns pelo ótimo texto.
ResponderExcluirOla, Valeria. Obrigado por comentar o artigo. Que bom saber que tem pessoas que tem criticado a macha na qual estamos inseridos. Precisamos reencontrar o caminho da sensatez, pois esta "tará" por medicina tem desnudado o quanto a nossa sociedade perdeu a noção de humanidade.
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