"Aceitar-me plenamente? É uma violentação
de minha vida. Cada mudança, cada
projeto novo causa espanto: meu coração está espantado”.
Clarice Lispector (1920 – 1977)
O extremismo humano é uma
característica assustadora que, ironicamente, cada vez mais tem caracterizado a
modernidade tardia. A falta de equilíbrio e a ausência de fundamentação
(enraizamento) têm conduzido incontáveis pessoas a viverem inúmeras crises de
identidade, ou pelo menos denuncia uma busca por identidades. Categoricamente
pode-se ponderar que alguns vivem no comodismo, outros no modismo e ainda
existem alguns que se constroem a partir dos alicerces no mudancismo (neologismo apropriado para conceituar os apaixonados
por mudanças - de qualquer gênero, razão ou por pura diversão). Os adeptos ao mudancismo são aqueles que mudam tanto
que sempre acabam voltando para o mesmo lugar - mesmo que não percebam e não
queiram.
As mudanças fazem parte da jornada
de qualquer um. As mudanças são necessárias. Entretanto, é válido arrazoar que
tanto o viver acomodado quanto o orbitar irracionalmente na arte de sempre
mudar são raízes do mesmo mau, quase sempre caracteriza apenas como um modismo
temporal. Então, percebe-se notoriamente uma guerra político-teórica-praxiológica
entre ambos, disputando algo que jamais pertencerá a nenhum dos dois grupos. Busca-se
a singularidade, mas se todos fazem, perde-se. Procura-se originalidade, mas se
é influenciado por outrem, confunde-se. Necessita-se de identidade, mas somos
seres inconclusivos, muda-se. Por esta razão, tomar uma decisão, ainda que conscientemente
errada, só para diferenciar dos demais é aderir ao movimento do mudancismo.
É preciso caminhar mudando as
mudanças para não viver acomodado com as mudanças. Mesmo que ainda o que reste é
incorporar o estado de “agentes de mudanças”, como que num soluço existencial
tateando superar a crise de identidade e/ou a carência afetiva (e efetiva). Portanto,
mudar não deve fundamentar a vida. Contudo, faz-se necessário fundamentar as
mudanças da vida – mesmo sabendo que há uma incompletude de saber o que a nós acontece.
É impreterível que imerja-se nas mudanças a partir de um por que, mesmo que não
se tenha um porquê. Seguir mudando sempre é acomodar-se com as mudanças, e sendo
assim perde-se a bela singeleza das mutações tão altivamente defendidas. Ao
acostumar-se em nunca ser corriqueiro percebe-se, um dia desses, que sutilmente
apenas aderiu-se a rotina de não ter rotinas – mudancismou-se a si mesmo.
Nunca entenderemos efetivamente o
valor das mudanças com as quais aderimos tão calorosamente, porém uma coisa é intransponível
por nossa ignorância: não conseguimos ser os mesmos mais que um milésimo de
segundo consecutivo. Então, mudar é natural e inerente a vida, não precisamos forçar
os tempos, acreditando sermos construtores de nossas próprias histórias inéditas.
Reconheçamos que somos tipo uma jangada existencial num incerto mar enfurecido.
Sendo assim, mudanças virão (e que sabe até alguns viram), não precisamos aderir
ao mudancismo para reafirmar nossa
autonomia antropológica. Somos seres mudáveis por definição.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 15 de Junho de 2005]
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