sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Cegos, corcundas e lesionados


“sábio é o homem que chega a ter consciência de sua ignorância”.
Barão de Itararé (1895-1971)

A cada geração um novo perfil existencial se reformula, agregando valores do passado, superando limitações de outrora e recriando novas deformidades. Estar vivo é andar em metamorfose. No presente século três deficiências patológicas são imanentes à existência: ser cego, corcunda e lesionado. Cego por usar muito o celular, tablet, notebooks e PC’s em geral com uma proximidade errada e iluminação inadequada; está é uma geração de crianças com pouca visão. Corcunda por igualmente usar os aparelhos supra citados anteriormente com a postura errada, dilacerando paulatinamente a coluna e provocando uma inevitável encurvadura; está é uma geração de pessoas entortadas. Lesionado porque, a despeito da má utilização dos referidos equipamentos, fica-se (e fixa-se) por horas a fio digitando (catando letras) nos teclados virtuais; está é uma geração de gente com dores precoces.

Da tríade: “cegos, corcundas e lesionados” desencadeia-se uma evolução duvidosa sobre a nossa identidade social, ideológica e mitológica. Escuta-se esbravejar uma suposta falta de tempo que não coincide com a realidade do tempo empregado em redes sociais e bate-papos. A verdade, obscurecida, é que estamos mais carentes de afetos, por esta razão buscamos conversar ao máximo com o maior número de pessoas (o mais virtual possível) para que não haja tempo de nos a perceber no vazio que habita em nós fora das conexões da internet. Estamos correndo muito para cansarmos ao máximo e assim não termos tempo de contemplar a inutilidade de nossa jornada. Sonhamos alto para não ter que enfrentar a dura realidade que assola as noites silenciosas. Desta maneira, não seremos chamados de fracassados, mas sim de sonhadores (codinomes e pseudônimos da virtualidade dos nossos discursos).

Da tríade: “cegos, corcundas e lesionados” revive-se, tipologicamente, o corcunda de Nortre-Dame que reconhece sua submissão tola a um sistema frágil e corrupto. Reacende em nós a chama da liberdade, mesmo nunca tendo estado lá. Denuncia nossa “feiosidade” frente ao mundo de belezas estilizadas com películas de fotos e ajustes de fotoshop. Sendo assim, além de corcunda personifica um frankenstein que se esconde nas letras de um bate-papo qualquer, tampando as mais terríveis deformidades de caráter com medo de sermos visto como somos, sem sorrisos, sem efeitos, apenas sendo humano. Gente esta que aprendeu a submeter-se aos padrões mais ridículos por puro desdenho ao criador, gente que esquece que mesmo sendo criatura temos personalidade, temos identidade. Somos, então, tão diferentes que não mais nos vemos como iguais, desprezando o outro que, para além da virtualidade, também sucumbi a terrível realidade da vida.

Ser “cego, corcunda e lesionado” não é um estereótipo moderno, é o que nos define. Longe de ver a realidade por causa da sombra que esconde a verdade óbvia; encurvados frente a uma máquina que escraviza impetuosamente as mentes infantis de gente adulta por causa das facilidades inexplicáveis; lesionados no coração, na alma e no espírito, sendo a mão apenas um sinalizador que a dor é mais profunda por causa de nossa integração humanística. Sim, somos cegos, apesar de vermos vários rostos no facebook, semblantes que não significam nada. Sim, somos corcundas, apesar de discursarmos superioridade machista ou feminista, pouco importa, ambos perderam a noção de equidade. Sim, somos lesionados, apesar de sermos a geração do bem-estar fitnes, que faz pouse para o outro admirar ou repudiar. Tristemente, nos tornamos um retrato de tudo àquilo que evitamos histórica e socialmente.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 12 de Fevereiro de 2015]

2 comentários:

  1. Máquina que escraviza impetuosamente mentes infantis de gente adulta... Pra mim o ponto máximo do seu texto.

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    1. Ola, obrigado por comentar. Realmente, o problema está ai nesta "bifurcação" existencial.

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