“Superar
a pobreza não é um gesto de caridade. É um ato de justiça; É a proteção de um
direito humano fundamental, o direito à dignidade e a uma vida decente”.
Nelson Mandela (1918-2013)
A pobreza é uma realidade nos rincões brasilianos[1],
e tal mazela tornar visível a incapacidade humana de interagir socialmente
tendo em visto o bem coletivo, provocando a marginalidade. Neste viés, sem as
devidas análises históricas-antropológicas, “os pobres são identificados com o
banditismo, o crime, a prostituição, a mendicância e outros fenômenos da
patologia social, constituindo a classe
perigosa” (LAPA, 2008:18). É imprescindível que se desenvolva um estudo
sistemático sobre os pobres, postulando sobre as raízes etnográficas desta subclasse social, discorrendo sobre as
âncoras que abalizam a consciência social destes e pesquisando sobre a formação
cultural-cosmológica dos excluídos.
A pobreza, quando não analisada de
forma sociológica pode, erroneamente, ser categorizada, precocemente, apenas
como má sorte de alguns que por não terem capacidades “especificas” permanecem
pobres – ignorando toda e qualquer relação/ responsabilidade dos semelhantes
seres humanos. Temas sociais estes abordados no poema de LIMBERGER (2002:85)
intitulado Sociedade Capitalista: “Ganância,
lucros e juros | Desumanização | A bolsa de valores | Jogo capitalista | (...)
| Desigualdade social | Ferida aberta | Sem saída | Fechar-se em um pequeno
mundo | Cercado de grades e muros | Em volta tudo que o dinheiro possa comprar”.
As desvirtudes presentes nas
comunidades em estado de vulnerabilidade social tem recebido uma nova
reconstrução na cosmovisão pós-moderna, como aponta MARTINS: “no Brasil,
políticas econômicas atuais, que poderiam chamar-se neoliberais, acabam por
provocar, não políticas de exclusão e, sim, políticas de inclusão precária e marginal, ou seja, incluem pessoas nos
processos econômicos, na produção e na circulação de bens e serviços
estritamente em termos daquilo que é racionalmente conveniente e necessário à
mais eficiente (e barata) reprodução do capital” (MARTINS, 1997:20). Neste
sentido, os meios de produção industrial e as instituições educacionais
fomentam uma falsa acessibilidade humanística/social que acoberta a real
exclusão dos pobres, que são usados apenas como força motriz do mais-valia[2]
de Marx. Tal intendo só é possível por causa do rompimento antropológico do ser
humano com sua própria historicidade e por causa da desconstrução social dos
grupos marginalizados com sua própria relação mercantil.
As comunidades que se localizam nas
periferias coexistem distantes dos centros urbanos, sendo que a priori esta pobreza “não transforma homens em ralé” (HEGEL, 1997:277). Contudo,
agregado a este distanciamento urbano surge as dificuldades de acesso a
informação, escolas, faculdades, leitura, manifestações culturais, poesia, por
conseguinte apresentam uma baixa renda familiar. Uma das grandes carências
destas comunidades de excluídos[3] é a ausência de programas, contínuos e
intencionais, que fomentem o desenvolvimento socioeducacional desta gente.
Tendo em vista que as limitações socioeducacionais impostas pelo estado de
pobreza dos grupos minoritários descortinam os fatos sociais[4]
que os mantem em condições marginais.
A linguagem poética pode ser utilizada
como ferramenta de combate ao analfabetismo e/ou analfabetismo funcional[5] - sendo estes os principais fatores que
mantem tais grupos no submundo do Capitalismo, forçando-os a serem explorados
socialmente, inaptos educacionalmente e estereotipizados antropologicamente. O
escritor e poeta José SARAMAGO endossa tal pressuposto no poema Fala do Velho do Restelo Ao Astronauta
(1997:84): “Aqui, na Terra, a fome continua, | A miséria, o luto, e outra vez a
fome. | Acendemos cigarros em fogos de napalme | E dizemos amor sem saber o que
seja. | Mas fizemos de ti a prova da riqueza, | Ou talvez da pobreza, e da fome
outra vez. | E pusemos em ti nem eu sei que desejo | De mais alto que nós, de
melhor e mais puro. | No jornal soletramos, de olhos tensos, | Maravilhas de
espaço e de vertigem: | Salgados oceanos que circundam | Ilhas mortas de sede,
onde não chove. | Mas o mundo, astronauta, é boa mesa | (E as bombas de napalme
são brinquedos), | Onde come, brincando, só a fome, | Só a fome, astronauta, só
a fome”.
A vivência das comunidades em estado de
vulnerabilidade social apresenta algumas particularidades, a saber: 1) A
simplificação da vivência social, sendo a busca existencial limitada às necessidades fisiológicas[6]
– tornando uma utopia pouco admirável as lutas urbanas cunhadas pelo homo economicus[7];
2) A segregação étnica e cultural, sendo empiricamente perceptível que a
maioria dos que comungam da comunidade em estado de vulnerabilidade social são
de cor negra – fomentando o imaginário
racista[8]
tupiniquim que vale-se das diferenças antropológicas como fator de
opressão/escravidão racial/capitalista; e, por fim, 3) A ineficiência da
educação formal, sendo esta descontextualizada e ininteligível para os
marginalizados, adestrando-os academicamente – desnudando a educação informal
como a acolhedora dos excluídos, reconstruindo
as relações sociais[9]
e relendo o homem a partir do saber reflexivo (práxis) e contemplativo
(poético).
Faz-se necessário reavaliar as práticas
socioeducacionais a partir do pressuposto de cidadania, solidariedade e amor –
pilares da função poética e elementos subsistentes entre as comunidades pobres,
como endossa BRANDÃO: “Ao falar de educação e de aprendizagem, escrevo falando
do amor e da solidariedade. Ao pensar em cidadania, lembro a partilha e
participação. Ao sugerir em nome do que, para quem e com quem destino de pessoa
ou sociedade vale a pena reinventar o amor como fonte e destinatário da própria
educação, sugiro também gestos interativos e ações sociais que o tornem um
experiência concreta da vida (...) a educação não muda o mundo. A educação muda
as pessoas. As pessoas mudam o mundo” (BRANDÃO, 2005:25,31). Pelo exposto por
BRANDÃO podemos ratificar que o processo de exclusão se inicia a partir do
distanciamento fraterno que nutri a existência humana. Somente quando a
educação se engordura entre as sociedades é que pode haver ensino relevante e
contextual.
É de suma importância a análise da
pobreza como fator de exclusão socioeducacional, pois a miséria é um estado
provocado pela má aglomeração social. Desta perspectiva percebe-se a
ineficiência do Capitalismo como fator de ascensão social, pois como afirma
DEMO: “...os pobres excluídos aumentam, já não são funcionais ao sistema
produtivo, vivem a angústia existencial da desqualificação etc (...) esperar
que o capitalismo aceite assistir a todos os pobres é uma banalidade
comprometedora (...) se os excluídos ameaçam a ordem social, não cabe vê-los
como simplesmente ‘excluídos’; dialeticamente falando, fazem parte do sistema,
mesmo que se sintam inúteis” (DEMO, 2002:4,6,30).
A perda da consciência sociológica
(fraterna e poética) e, então, o inevitável destaque individualístico de alguns
(leia-se, dos afortunados) corrobora para a sedimentação do conceito
durkheimiano de solidariedade orgânica[10].
A linguagem poética pode ser um lampejo de esperança nesta inquietante
desigualdade social. Através da perspectiva sociolingüística intrínseca a
função poética pode-se conscientizar, confrontar e confortar. Na poesia pode-se
contemplar a realidade social à volta e propor caminhos mais coloridos a partir de uma práxis
artística. Na poesia pode-se desarmar os preconceitos culturais enraizados
historicamente nas periferias e propor discussões contextualizadas com
relevância social, educacionais e lingüística.
Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 20 de Novembro de 2013]
[1] O termo brasiliano foi muito difundido e popularizado na obra de ROQUETTE-PINTO
(1884-1954) - médico, professor, escritor, antropólogo, etnólogo e ensaísta
brasileiro. Ele escreveu, entre outras obras: Guia de antropologia (1915),
Rondônia (1916), Seixos rolados Estudos brasileiros (1927), Ensaios de
antropologia brasiliana (1933) e Ensaios brasilianos (1941). Qualquer
estudo/pesquisa sobre a pobreza e seus impactos socioeducacionais devem se ater
a clássica advertência de ROQUETTE-PINTO quanto aos índios: “nosso papel social
deve ser simplesmente proteger, sem
procurar dirigir, nem aproveitar essa gente” (ROQUETTE-PINTO,
1938:304).
[2] O termo mais-valia foi utilizado por Karl MARX (1818-1883) para demonstrar
a injustiça/desigualdade capitalística de condicionar os trabalhadores a
produzir excessivamente e estes não partilharem dos lucros deste labor – tal
pressuposição é a base para o acumulo de capital, como Marx afirma: “a
valorização do capital, isto é, apropriar-se de trabalho excedente, produzir
mais-valia, lucro” (MARX, 1974:289).
[3] A utilização da expressão comunidades de excluídos se deve pelo
fato deste grupo estar às margens da evolução acadêmica, distantes das
manifestações culturais e por apresentar uma lentidão no processo de melhoria
na qualidade de vida.
[4] DURKHEIM define fatos
sociais, nos seguintes termos: “É fato
social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior, (...) que é geral na extensão de uma sociedade
dada, e, ao mesmo tempo, possui existência própria, independente de suas
manifestações individuais” (DURKHEIM, 2007:13).
[5] O termo analfabetismo funcional refere-se àquelas pessoas que aprenderam a
decodificar a linguagem escrita de forma muito rudimentar e, então, não
conseguiram desenvolver a habilidade de interpretação de texto, tem
dificuldades com leitura e construção de redação.
[6] Necessidades fisiológicas “são as necessidades
vegetativas relacionadas à fome, ao sono, ao cansaço etc. Essas necessidades
dizem respeito à sobrevivência do indivíduo e da espécie...” (OLIVEIRA,
2002:150).
[7] O termo homo
economicus pode ser entendido com o máxima: “as pessoas estão interessadas
em ganhos financeiros, pura e simplesmente” (CHIAVENATO, 2004:116). O termo foi
criado no período do taylorismo (aproximadamente 1910), fruto final da
Revolução Industrial, sendo confrontado posteriormente pelo conceito do homo social resultante da experiência de
Hawthorne (aproximadamente 1930).
[8] “Os negros e pardos são 64 % dos pobres (...) O
racismo deve ser pensado como resultado da conjunção entre a crise da
modernidade e a dificuldade que esta possui de integrar a diferença” (GOMIDE,
2002:53).
[9] “A educação é parte da engrenagem social (...) a
educação é função da sociedade” (CENDALES, 2006:13).
[10] DURKHEIM definiu a solidariedade
orgânica em sua obra “Da Divisão do Trabalho Social” escrita em 1893. A
solidariedade orgânica implica numa maior autonomia, com uma consciência
individual mais livre. Ou seja: “ela liga diretamente as coisas às pessoas, mas
não as pessoas entre si (...) ela não faz que as vontades se movam em direção a
fins comuns, mas apenas que as coisas gravitem com ordem em torno das vontades
(...) Longe de unir, elas só ocorrem para melhor separar o que está unido pela
força das coisas, para restabelecer os limites que foram violados e recolocar
cada um em sua esfera própria”
(DURKHEIM, 1999:91 e 94).
::Referências Bibliográficas::
BRANDÃO, Carlos
Rodrigues. Aprender o amor: sobre um afeto que se aprende a viver.
São Paulo: Papirus, 2005.
CENDALES,
Lola; GERMÁN, Mariño. Educação Não-Formal e Educação Popular. São
Paulo: Loyola, 2006.
CHIAVENATO,
Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração – Edição
Compacta. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
DEMO,
Pedro. Charme da Exclusão Social. 2. ed. São Paulo: Autores
Associados, 2002.
DURKHEIM,
Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
DURKHIEM,
Émile. Da Divisão do Trabalho Social. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.
GOMIDE,
Denise (org.). Racismo no Brasil. São Paulo: ABONG, 2002.
HEGEL,
Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. 2. ed.
São Paulo: Ícone, 1997.
LAPA,
José Roberto do Amaral. Os Excluídos: Contribuição à História da
Pobreza no Brasil. São Paulo: Editora da UniCamp, 2008.
LIMBERGER,
Fabrício. Poemas Secretos. São Paulo: AGE, 2002.
MARTINS,
José de Souza Martins. Exclusão Social e a Nova Desigualdade. 3.
ed. São Paulo: Paulos, 1997.
MARX,
Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos e outros textos escolhidos.
São Paulo: Abril Cultural, 1974.
OLIVEIRA,
Silvio Luiz de. Sociologia das Organizações: Uma análise do homem e das
empresas no ambiente competitivo. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,
2002.
ROQUETTE-PINTO,
Edgard. Rondônia. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1938.
SARAMAGO,
José. Os Poemas Possíveis. Editorial Caminho, 1997.
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