sábado, 5 de abril de 2014

Coordenação acadêmica e terapia alunal


“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.
Paulo Freire (1921-1997) 

Em tempos mais do que modernos, onde tudo se inverte, se confunde, se complementa, se contrapõe, se mistura, se desfigura e se reconfigura, no âmbito universitário tal processo fica notório numa mutação funcional do papel das coordenações de curso/acadêmica. Ao que parece, a sala de coordenação se tornou numa clínica psicológica onde o aluno se tornou o paciente que se vale desta mutação para desabafar, manipular e ameaçar os agentes educacionais. É imprescindível, então, que se diagnostique este perfil de aluno/paciente para não cair nas artimanhas desta confusão urbana/capitalista, tendo condições de diferenciar o estado de aluno e o estado de paciente – e assim ser possível traçar um caminho de diálogo coerente com a figura que se apresenta na sala de coordenação. A seguir será descrito alguns tipos clássicos de aluno/paciente que perambula pelas faculdades/universidades do Brasil e que são seduzidos pela superioridade da educação.

O primeiro tipo de aluno/paciente é aquele que confunde a coordenação com terapia. Estes pensam, afetivamente, que a coordenação existe, primariamente e essencialmente, para escutá-los, e este escutar inclui todo tipo de desabafo, quer seja referente ao contexto acadêmico ou pessoal (sendo que ambos se entrelaçam no cotidiano). Este tipo de aluno/paciente sempre começa a conversa elogiando algo no coordenador (a) – o elogio funciona tipo um quebra-gelo para a conversa ser aceita pelo psicólogo/coordenador. Após ganhar atenção e a cordialidade do atarefado coordenador tudo fica mais fácil, ai assuntos como moda, culinária, estética, automobilismo, filosofia, religião, política, e toda sorte de temáticas são toleráveis. Neste estágio de inércia cognitiva começa a etapa terapêutica de fato. Aqui a idéia é desabafar, des-sufocar da vida louca, conversar despretensiosamente, distrair a cabeça, enfim, fazer uma terapia existencial.

O segundo tipo de aluno/paciente é aquele que confunde a coordenação com políticas de guerra territoriais. Estes pensam que precisam de aliados na guerra escolar e, então, nada mais sensato que aglutinar com o psicólogo/coordenador (o elo mais forte da corrente universitária, perdendo apenas para a direção). Este tipo de aluno/paciente, quase sempre, se trejeita inicialmente do primeiro tipo (coordenação como terapia) por uma razão lógica, ninguém se alia a uma causa, mas sim a uma pessoa. Portanto, o processo de formação de milícia escolar se dá pela afetividade e espontaneidade. A idéia aqui é manipular a coordenação para que quando necessário (e vai ser necessário!) ter o coordenador/psicólogo como aliado, desbancando toda e qualquer ameaça, inclusive (e preferencialmente) o professor, enfim, faz uma cadeia de comunicação intencional de guerrilha com vestimentas psicológicas.

O terceiro tipo de aluno/paciente é aquele que confunde a coordenação com psico-capitalismo (um neologismo necessário para destacar a opressão capitalista que transforma alunos em clientes, valendo de um discurso articuladamente psicológico). Estes pensam que por estarem pagando detêm o controle de todas as instâncias acadêmicas (tristemente, há relatos que confirmam tal genocídio educacional). Este tipo de aluno/paciente desenvolveu uma técnica psicológica fundamentada na lógica capitalista que pende o poder de persuasão para o pagador da força de trabalho. Este nível de patologia pedagógica é frequentemente perceptível quando o aluno/paciente não consegue ser cordial e simpático (primeiro tipo), nem consegue puxar e manipular o psicólogo/coordenador para ser aliado (segundo tipo). A ideia aqui é ameaçar! Inicialmente tenta-se subjugar o professor, sob o argumento que o aluno que paga o salário do docente. Não funcionando esta tática terrorista vai-se para o próximo nível, render a coordenação, sob o argumento de abandonar a faculdade. Enfim, faz do ensino superior uma zona monetária de Wall Street.

Ao ler este artigo, o leitor pode ter pensando que a proposta fora desmoralizar os alunos. Não! Esta nunca foi à intenção. Até porque o aluno não é a causa, apenas a consequência de tudo que pontuamos anteriormente. O aluno é apenas a ponta de um iceberg gigantesco chamado educação brasileira; é apenas fruto de uma sociedade líquida (como propõem Zygmunt Bauman). Portanto, é válido ratificar que todo o esquema educacional tupiniquim precisa ser revisto. O aluno/paciente é somente uma forma mutante de ser estudante, onde o que menos importa é o processo ensino-aprendizagem; o psicólogo/coordenador é tão-somente uma marionete organizacional fragilizada pelo poder; o professor é tão-só um objeto de uso-fruto do conceito de Mais Valia Relativa proposta por Karl Max; e, a faculdade/universidade é unicamente um coliseu contemporâneo.

Assim e simplesmente,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
[escrito em 29 de Março de 2014]

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